segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Reino Milenar - Parte 7.

...continuação.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Leandro Lima, pastor efetivo na IPB de Santo Amaro, SP, mestre em Teologia e História pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e doutor em Letras - Literatura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O Cumprimento das Profecias do AT.

Talvez a maior razão porque os pré-milenistas insistem num reino literal e terreno de mil anos seja por causa de sua visão das profecias do Antigo Testamento. Como já dissemos, não há qualquer texto que fale em mil anos de reino, mas os pré-milenistas olham para as profecias de Isaías, Ezequiel, Amós, Zacarias e outros, que falam sobre um futuro glorioso para Israel, e imaginam que isto acontecerá numa volta futura de Israel das várias nações ao redor do mundo, para a terra da promessa. Pensam que isto precisa se cumprir literalmente. Nesse sentido, vêem o retorno de Israel para a Palestina após a Segunda Grande Guerra, como um indício do cumprimento histórico das profecias.

A interpretação amilenista entende que estas profecias se cumpriram literalmente na volta de Israel do cativeiro da Babilônia, ou se cumprem espiritualmente na igreja que é o Israel no Novo Testamento, ou ainda se cumprem no Novo céu e nova terra. Não há a necessidade de um reino milenar para que elas se cumpram.

Primeiramente devemos entender que interpretar literalmente todas as profecias do Antigo Testamento pode conduzir a absurdos. Como nota W. J. Grier, “a própria profecia do Velho Testamento contém uma advertência contra tal literalismo. Deus disse que falaria aos profetas do Antigo Testamento em sonhos e visões e em palavras obscuras (Nm 12.6-8; Os 12.10)” [12]. Por exemplo, quando Ezequiel diz que o povo retornará à sua terra diz que Davi reinará sobre os que voltarem (Ez 37.24). Se isso for interpretado de forma literal, Davi precisaria reencarnar para reinar sobre Israel. E além disso, o que não pode ser esquecido é que muitas profecias proferidas à nação de Israel eram condicionais.

Por exemplo, quando Deus chamou o povo de Israel do Egito lhes prometeu uma nova terra, porém, devido à desobediência deles, foram privados desse benefício (Nm 14.23). Com relação ao próprio reino eterno da descendência de Davi, a promessa era condicional. Davi entendeu isso, pois disse em seu leito de morte ao seu filho Salomão:
Eu vou pelo caminho de todos os mortais. Coragem, pois, e sê homem! Guarda os preceitos do SENHOR, teu Deus, para andares nos seus caminhos, para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus testemunhos, como está escrito na lei de Moisés, para que prosperes em tudo quanto fizeres e por onde quer que fores; para que o SENHOR confirme a palavra que falou de mim, dizendo: Se teus filhos guardarem o seu caminho, para andarem perante a minha face fielmente, de todo o seu coração e de toda a sua alma, nunca te faltará sucessor ao trono de Israel (1Rs 2.2-4).
Do mesmo modo, as promessas de Deus de prosperidade para a nação de Israel estavam condicionadas à obediência. Uma vez que a nação não permaneceu em obediência, Deus não se viu obrigado a cumprir todas as promessas.

Ao considerar algumas das principais profecias do Antigo Testamento, as quais são geralmente usadas para a defesa de um Milênio literal e terrestre, podemos perceber que elas não exigem um cumprimento literal num Milênio. Uma das principais passagens do Antigo Testamento usadas para defender o Milênio é Isaías 65.17-25. Neste texto Isaías fala da restauração de todas as coisas: “Não haverá mais nela criança para viver poucos dias, nem velho que não cumpra os seus; porque morrer aos cem anos é morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado” (Is 65.20).

Diz que: “A longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos” (Is 65.22). E diz que naquele tempo: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da serpente. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o SENHOR” (Is 65.25). Os pré-milenistas dizem que esta descrição não pode se referir ao tempo eterno porque há referência a morte e ao pecado. Porém deve ser entendido que Isaías usa figuras de coisas que os homens podem entender, mas está falando dos “novos céus e nova terra”, conforme ele deixa bem claro no verso 17.

E o Apocalipse diz que os novos céus e nova terra compõem o estado final do universo e não o Milênio. Isaías descreve os tempos eternos em linguagem que as pessoas daquele tempo podiam entender. Ele usa expressões que indicam longevidade e prosperidade em linguagem que deve ser entendida figurada e não literalmente.

Outro texto bastante usado para a defesa do Milênio é o capítulo 11 de Isaías. O texto diz que um rebento de Jessé será levantado (vs. 1), o qual terá sabedoria para reconduzir o povo (vs. 2-5). Neste tempo, “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará (...) A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar” (vs. 6-9). Esta também não é uma descrição do Milênio. Ela se parece bastante com a outra descrição que já vimos acima no capítulo 65, e que Isaías disse pertencer à nova terra e aos novos céus. Isaías está falando de um tempo de perfeição, onde a terra se encherá do conhecimento do Senhor. Isso é muito superior ao que teria que acontecer no Milênio onde ainda haveria povos dispostos a se rebelar contra o Senhor. Dos versos 10-16 Isaías fala da restauração de Israel.

Não podemos entender esta passagem sem lembrar que o povo de Israel foi levado cativo para a Assíria e o povo de Judá para a Babilônia. Isaías diz que o povo voltaria para sua terra. Isto de fato se cumpriu 70 anos depois do cativeiro, quando o povo retornou do Exílio. O verso 16 diz: “Haverá caminho plano para o restante do seu povo, que for deixado, da Assíria, como o houve para Israel no dia em que subiu da terra do Egito”. Este verso teve um cumprimento literal no dia em que Israel voltou do cativeiro.

É evidente que a profecia vai além disso, mas por que pensar num Milênio intermediário se a profecia pode se referir em linguagem figurada aos novos céus e nova terra? Como diz Hoekema, “na há razão obrigatória para entendermos este tipo de passagens do Velho Testamento, de modo a descrever um reino milenar futuro” [13]. Estas profecias se cumprem no retorno de Israel do cativeiro, na primeira vinda de Jesus, ou finalmente descrevem a nova terra que será estabelecida na segunda vinda de Jesus [14].

O próprio Novo Testamento interpreta profecias que descrevem a restauração de Israel como não literais. Um exemplo basta para perceber isso. Amós 9.11-12 diz: “Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas”. Em Atos 15.14-18 temos a interpretação do cumprimento figurado desta profecia. Tiago entende que se cumpriu quando Deus incluiu os gentios na comunidade do povo de Deus. Portanto, se o próprio Novo Testamento demonstra que as profecias do Antigo Testamento não precisam ser cumpridas literalmente, por que nós deveríamos insistir nisso?

Continua...


[12] W. J. Grier. O Maior de Todos os Acontecimentos, p. 36.
[13] Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, p. 274.
[14] Outras passagens que podem ser interpretadas neste sentido sem sugerir a idéia do Milênio são: Jr 23.3-8; Ez 34.12-13; Ez 36.24; Zc 8.7-8; Am 9.14-15, etc.

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