sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Igreja, Israel, e Teologia da “Substituição” - Parte 3

...continuação.

Importante
: O texto a seguir é de autoria de Sam Storms, Doutor em Teologia Histórica pelo Seminário Teológico de Dallas.


Na parte um e dois deste estudo eu argumentei que o Novo Testamento fornece-nos uma clara definição do que constitui um “israelita” ou um “judeu”. Ou talvez poderíamos dizer que o N.T. nos provê uma perspectiva “Cristificada” sobre o povo de Deus. Etnia não é mais a principal preocupação. O “tipo” de sangue que Abraão tinha nas veias não é tão importante, mas sim a fé que ele possuia em seu coração. Jesus é a verdadeira “descendência” de Abraão para quem a promessa foi dada. Mas se alguém está “em Cristo” pela fé, ele ou ela é a “descendência” de Abraão e, portanto, um herdeiro segundo a promessa.

Falta-nos abordar ainda a questão da disposição final da terra que foi incluída na Aliança Abraâmica. O que, sobre isto, vem a ser um elemento da promessa?

Eu acredito que a promessa será cumprida literalmente, mas não simplesmente (ou mesmo principalmente) na terra de Canaã. É importante observarmos que a promessa da terra de Canaã a Abraão na primeira aliança submeteu-se a uma expansão considerável nas Escrituras, uma expansão de tal natureza que o cumprimento final só poderia ser realizado na Nova Terra. Creio que a descrição de Anthony Hoekema é útil aqui. Ele se refere a Gn 17:8 e à terra prometida a Abraão, dizendo:

“Observe-se como Deus prometeu dar a terra de Canaã não somente aos descendentes de Abraão, mas também ao próprio Abraão. Mesmo assim, Abraão nunca possuiu nem um metro quadrado de terra na terra de Canaã (comparar com Atos 7:5) - com exceção da caverna-túmulo que ele teve de comprar dos hititas (veja Gn 23). Qual, pois, foi a atitude de Abraão com relação a esta promessa da herança da terra de Canaã, que nunca foi cumprida durante o período de sua vida? Recebemos uma resposta a esta questão no livro de Hebreus. No capítulo 11, versos 9 e 10, lemos: 'Pela fé Abraão peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador'. Por 'a cidade que tem fundamentos' devemos entender a cidade santa ou a nova Jerusalém que se encontrará na nova terra. Em outras palavras, Abraão aguardava o advento da nova terra como o verdadeiro cumprimento da herança que lhe tinha sido prometida - e assim procederam os outros patriarcas.” (A Bíblia e o Futuro, p. 278)
E novamente:
“Quando entendermos adequadamente os ensinos bíblicos acerca da nova terra, várias outras passagens das Escrituras começam a se encaixar num padrão significativo. Por exemplo, no salmo 37:11 lemos: 'Mas os mansos herdarão a terra'. É importante observar como Jesus parafraseia esta passagem em seu Sermão do Monte, refletindo a expansão neotestamentária do conceito dessa terra: 'Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra' (Mt 5:5). Vemos em Gênesis 17:8 que Deus prometeu dar a Abraão e à sua descendência toda a terra de Canaã por possessão eterna; mas, em Romanos 4:13, Paulo fala da promessa a Abraão e a seus descendentes, dizendo que eles deveriam herdar o mundo - observe que a terra de Canaã, de Gênesis, tornou-se o mundo em Romanos.” (p. 281-82)
Como Hoekema menciona acima, uma passagem significante que chama a atenção nesta questão é encontrada em Hebreus 11. Deixe-me começar com uma questão: Como explicar que, quando Abraão finalmente chegou à terra da promessa, ele apenas peregrinava ali...
“...como um estrangeiro [...] como em uma terra alheia”? (Hb 11:9,13)
Philip Hughes corretamente pergunta:
“Em que sentido poderia ser dito que Abraão recebeu esta terra como uma herança, quando ela era um território na qual ele próprio não se estabeleceu e para a qual ele não havia feito nenhuma reivindicação de propriedade?”
Não precisamos especular uma resposta, pois o texto provê a sua própria no v. 10:
“Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus.”
O que é esta cidade? Esta é aquela cidade que Deus tem preparado para eles (v. 16), mencionada novamente em Hb 12:22 como a:
“...cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial.”
Veja também Hb 13:14, onde lemos:
“Porque não temos aqui [isto é, sobre este lugar atual] cidade permanente, mas buscamos a futura.”
Isto certamente se refere a Jerusalém celeste de Hb 12:22, a cidade que tem fundamentos (Hb 11:10). Note também Ap 21:1,2, especialmente o verso 2, onde lemos que João viu...
“... a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu.” (conferir 21:9-11)
A razão, então, por que Abraão era um estrangeiro e exilado na terra de Canaã foi porque ele viu que aquela região era um tipo de uma terra celestial e mais substancial.
O ponto é que os patriarcas não procuravam na terra física de Canaã sua possessão eterna. O foco da promessa do A.T. sem dúvida estava em uma região, mas na região celestial (Hb 11:16) da Nova Terra com seu lugar de destaque, a Nova Jerusalém.

A Abraão, aquele a quem foi originalmente prometido a terra de Canaã, é dito para receber o cumprimento dessa promessa, não na Canaã geográfica, mas na Jerusalém celeste. Abraão é herdeiro, não apenas de Canaã, mas do mundo! Certamente, de acordo com Hb 11:9,10, era a confiança de Abraão na perfeita e permanente cidade celestial que o capacitou a se submeter pacientemente as inconveniências e desapontamentos durante sua peregrinação em Canaã.

Veja também Hb 11:13-16. Os patriarcas a si mesmos...

“...confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (v. 13)
Eles morreram sem receber a promessa, tendo apenas visto-a de longe. A esperança deles não foi focada em qualquer herança material de sua época, mas, como indica o v. 16, sobre...
“...uma melhor, isto é, a celestial.”
F. F. Bruce resume bem ao observar que, segundo o v. 16:
“A verdadeira pátria deles, absolutamente, não estava na terra. A melhor pátria em que eles colocaram seus corações foi a pátria celestial. A Canaã e Jerusalém terrenas foram temporariamente “objetos instrutivos” que apontavam para o descanso eterno dos santos, a cidade fundada por Deus.”
A terra prometida, bem como profecias tais como Is 65:17; 66:22; 32:15; 35:2,7,10; 11:9, que falam de uma restauração dos cosmos, devem ser cumpridas na Nova Terra no momento da nova criação, não em uma terra milenar na antiga e atual criação.
Geralmente neste ponto alguém faz a seguinte pergunta:

“Mas o cumprimento não tem que manter uma harmonia literal de forma única com a promessa?”
Em outras palavras, o cumprimento de uma promessa deve ser tão fiel quanto uma “reprodução fotográfica”. Portanto (assim diz o argumento), Deus falhou em realizar o seu compromisso pactual para com a nação de Israel se Ele não trouxer para ela a posse e a satisfação das dimensões geográficas exatas, como descrito em Gênesis 12, 13, 15 e 17.
Eu acredito que, nitidamente, este é um mal entendido fundamental da natureza e cumprimento da promessa, bem como da relação entre os dois testamentos. Entretanto, considere esta ilustração conforme fornecida por Greg Beale em seu excelente livro “O Templo e a Missão da Igreja” (IVP). Imagine que um pai, em 1900, promete ao seu jovem filho um cavalo e uma charrete quando ele crescer e se casar:

“Durante os primeiros anos de espera, o filho pensa nos detalhes e dimensões da charrete, seus contornos e estilo, seu assento de couro e o tamanho e raça do cavalo que puxará a mesma. Talvez o pai tivesse conhecimento de que logo, em outros lugares, a invenção do automóvel estava à vista, mas cunhou a promessa ao seu filho nos termos que ele podia entender. Anos depois, quando o filho se casa, o pai dá ao casal um automóvel que, desde então, tem sido produzido em massa após a sua invenção. Por acaso o filho ficará decepcionado em receber um carro em vez de um cavalo e uma charrete? Isto não é um cumprimento ‘literal’ da promessa? Na verdade, a essência da palavra do pai permaneceu a mesma: um modo conveniente de transporte. O que mudou foi precisamente a forma do transporte prometido. O progresso da tecnologia atingiu o cumprimento da promessa de uma forma que não poderia ter sido concebida quando o filho era jovem. Apesar disso, à luz do desenvolvimento posterior da tecnologia [correspondendo ao impacto redentivo da vinda de Cristo], a promessa é vista como ‘literalmente’ e fielmente realizada em um sentido maior do que o anteriormente compreendido.” (p. 352-53)
Finalmente, chegamos agora à atual nação de Israel e seu direito de posse na terra em que habita. No momento, eu não posso fazer melhor do que citar as palavras de John Piper em um sermão que ele pregou sobre Romanos 11. Seus comentários merecem uma grande atenção:
“As promessas feitas a Abraão, incluindo a terra prometida, serão herdadas como um último dom somente pelo verdadeiro e espiritual Israel, não pelo desobediente e incrédulo Israel. Em outras palavras, as promessas não podem ser exigidas por qualquer um apenas por ser judeu. A etnia judaica tem um lugar no plano de Deus, mas não é suficiente para assegurar qualquer coisa. Ela em si não qualifica uma pessoa a ser um herdeiro da promessa feita a Abraão e seus descendentes. Romanos 9:8 diz isto claramente: ‘Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência.’ Nascer judeu não torna alguém herdeiro da promessa – nem da terra prometida, nem qualquer outra promessa.
Tenha cuidado para não deduzir disto que as nações gentílicas (como os árabes) têm o direito de molestar Israel. O julgamento de Deus sobre Israel não permite que alguém peque contra ela. Esta nação ainda tem direitos humanos entre os povos, mesmo quando ela perde a sua oferta de direito divino à terra prometida. Lembre-se que as nações que se regozijaram sobre sua disciplina divina foram punidas por Deus (Isaías 10:5-13; Joel 3:2).
Logo, a promessa de que os descendentes de Abraão herdarão a terra de Canaã não significa que todos os judeus estão incluídos. Ela virá finalmente ao verdadeiro Israel, ou seja, aquele que mantém o pacto e obedece ao seu Deus.
Portanto, o secular estado de Israel de hoje não pode reivindicar uma oferta de direito divino sobre a terra prometida, mas tanto eles como nós devemos procurar uma solução pacífica não baseada em direitos divinos, mas em princípios internacionais de justiça, misericórdia, e viabilidade prática.
[Portanto]... não devemos encobrir e/ou aprovar certas ações de judeus ou palestinos. Devemos aprovar ou denunciar de acordo com os padrões bíblicos de justiça e misericórdia entre os povos. Devemos encorajar os nossos representantes a buscar uma solução justa que leva as reivindicações históricas e sociais de ambos os povos em conta. Tampouco deveria ser permitido que as decisões da justiça fossem influenciadas por uma suposta reivindicação divina à terra da Palestina...
Assim, judeus e gentios crentes em Jesus herdarão a terra prometida. E a maneira mais fácil de compreender isso é ver que vamos herdar o mundo, o que inclui a região do Oriente Médio. Cristãos judeus e gentios não se enganam sobre o verdadeiro significado e a real condição da terra prometida porque eles entendem o que é herdar a totalidade dos novos céus e a nova terra. 1ª Coríntios 3:21-23, ‘...porque tudo é vosso; Seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de Deus.’ Todos os seguidores de Cristo, e somente os seguidores de Cristo, herdarão a Terra, incluindo a Palestina.”
Ainda, em outro sermão sobre Romanos (desta vez, 9:25,26), Piper declara que:
“Um povo que rompe com a aliança não tem direito sobre as promessas. Conseqüentemente é errado a América ou os cristãos ser inquestionavelmente pró-Israel e anti-Palestina em relação à situação política e geográfica do Oriente Médio. Pode ser certo apoiar Israel ou apoiar a Palestina sobre qualquer assunto, mas enquanto Israel continuar quebrando a aliança com seu Deus, rejeitando o Messias, o critério para o que é correto no Oriente Médio deve ser padrões de justiça e misericórdia igualmente aplicados entre as nações, e não direitos divinos ou privilégios de um pacto. Nossa relação com judeus e palestinos deve ser a de amá-los e tratá-los com misericórdia e justiça, como fazemos a todos os outros. Anti-semitismo é pecado. E rejeição incondicional de prováveis direitos dos palestinos é pecado.
Vou encerrar com duas observações importantes.

1 – A visão que eu tenho defendido nesta série de estudos é compatível com qualquer uma das correntes escatológicas – pré-milenismo histórico ou amilenismo. John Piper, entre muitos outros, é pré-milenista. Eu, por outro lado, sou amilenista. Mas ambos concordam que há somente um povo de Deus, a Igreja, composta de crentes judeus e gentios.


2 – Em toda essa discussão eu não abordei a questão de se a Bíblia ensina uma salvação em massa do povo judeu no final da presente era. Piper acredita que em Romanos 11 Paulo afirma que uma salvação em massa de judeus étnicos está de alguma forma associada com a segunda vinda de Cristo.

Não é tão importante como alguém entende este ponto (e a interpretação de Romanos 11:25-27), mas mais importante ainda é que qualquer um que faz parte do povo judeu e que é salvo, independente de quando isto pode ocorrer, entrará no reino da mesma maneira e nos mesmos termos como fazem os crentes gentios. Se essa salvação é escatológica (no final da era atual) ou histórica (progressivamente, ao longo de toda a presente era), eu não acredito que seja para um suposto propósito de Deus em reconstruir ou restabelecer uma nação teocrática separada da Igreja. A Igreja é a única “nação santa” (1ª Pedro 2:9) que herdará as promessas da aliança.

Sendo assim, qualquer integrante do povo judeu que vier a Jesus Cristo pela fé, se tornará um membro da Igreja, o “novo homem” de Efésios 2. Eles serão enxertados de volta na oliveira (Romanos 11) onde, juntos e em completa unidade com os crentes gentios, constituem a “semente” de Abraão, que herdará as promessas feitas aos patriarcas.


Chegamos ao final da série de estudos sobre Teologia da Substituição pelo ponto de vista amilenista, por Sam Storms.


Traduzido por MAC.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Igreja, Israel, e Teologia da “Substituição” - Parte 2

...continuação.

Importante
: O texto a seguir é de autoria de Sam Storms, Doutor em Teologia Histórica pelo Seminário Teológico de Dallas.


Há inúmeras passagens no N.T. onde profecias do A.T. concernentes à re-união e restauração de Israel são aplicadas à Igreja, indicando-a como o “verdadeiro Israel”, composto de ambos os crentes judeus e gentios em quem as promessas serão cumpridas. Colocando em outros termos, a Igreja não substitui Israel, mas pega e perpetua em si o remanescente crente dentro da nação como um todo.

O “verdadeiro Israel” de Deus, que no A.T. era formado por todos os judeus étnicos que foram circuncidados no coração, encontra sua expressão neotestamentária na Igreja, agora constituída por todos os crentes judeus étnicos e todos os crentes gentios étnicos. Ou, para usar os exemplos de Paulo em Romanos 11, a Oliveira equivale ao Verdadeiro Israel, que por sua vez refere-se à Igreja a qual é constituída por ambos os ramos naturais (judeus) e ramos enxertados (gentios), mas em todos os casos “ramos crentes”.

Esta é a única maneira que eu posso explicar ou descrever os muitos textos em que as profecias, promessas, títulos e privilégios que descrevem o Israel do A.T. são aplicados e cumpridos pela Igreja no N.T. Uns poucos exemplos representativos terão de bastar.


1 - Em Atos 15:14-18, Tiago interpreta a profecia de Amós 9 que descreve a reconstrução do tabernáculo de Davi como encontrando o seu cumprimento no chamado dos gentios e na formação progressiva da Igreja Cristã. (Para uma exposição completa desta passagem, ver meu artigo intitulado “Atos 15:14-17 e a reconstrução do tabernáculo de Davi”, encontrado em Escatologia, na seção de Estudos Teológicos do site
www.enjoyinggodministries.com).

2 - Em Romanos 9:25,26, Paulo cita duas passagens de Oséias (1:10 e 2:23) que foram dirigidas às dez tribos apóstatas do norte de Israel antes do exílio Assírio em 722-21 a.C. Elas descrevem tanto a condição rebelde de Israel (“não sois meu povo”) como a sua profetizada restauração futura (“meu povo” / “filhos do Deus vivo”).

Mas aqui Paulo aplica-as ao chamado ou salvação dos gentios. Eu concordo com George Ladd quando ele diz que:

“Paulo deliberadamente toma estas duas profecias sobre a futura salvação de Israel e aplica-as à Igreja. A Igreja, consistindo de ambos judeus e gentios, tornou-se o povo de Deus. As profecias de Oséias são realizadas na Igreja Cristã. Se esta é uma hermenêutica espiritualizada, então que seja. Mas que ninguém diga que é liberalismo. Isto é claramente o que o Novo Testamento faz com as profecias do Antigo Testamento.”
Segundo este ponto de vista, a promessa profética veterotestamentária de reunir Israel no pacto da fé ao Senhor está sendo progressivamente cumprida na salvação de crentes judeus e gentios na presente era, isto é, na Igreja. O chamado dos gentios de entre toda tribo, língua, povo e nação é a profetizada restauração de Israel. Para a Igreja, é a continuação e o amadurecimento do remanescente crente de Israel.

3 - Em Apocalipse 2:17, João (citando Jesus) promete aos vencedores (isto é, a Igreja) um “novo nome” que:
“...ninguém conhece senão aquele que o recebe”.
Esta é uma clara referencia à profecia em Isaías 62:2...
“E os gentios verão a tua justiça, e todos os reis a tua glória; e chamar-te-ão por um nome novo, que a boca do SENHOR designará.”
...e 65:15...
“...e a seus servos chamará por outro nome.”
...sobre a futura condição majestosa e restauração de Israel ao Senhor, ambas as quais são agora aplicadas aos indivíduos que fazem parte da Igreja.

4 - Apocalipse 3:9 é especialmente instrutivo. Aqui Jesus promete a Igreja em Filadélfia que Ele fará:

“...aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo.”
Há dois pontos importantes a levantar:
Primeiro, Ele se refere a pessoas que:

“...se dizem judeus, e não são, mas mentem.” (para ver uma declaração quase idêntica, ver Ap 2:9)
É evidente que, em certo sentido, essas pessoas são judeus, os descendentes físicos de Abraão, Isaque e Jacó, que reuniam-se regularmente na sinagoga para adorar. No entanto, em outro sentido, isto é, interiormente e espiritualmente, eles não são judeus, tendo rejeitado a Jesus que agora é perseguido e caluniado pelo Seu povo. Na verdade, os seus encontros na sinagoga são fortalecidos pelo próprio Satanás.
Mas se eles são falsos judeus, quem, então, são os verdadeiros judeus? Se eles são a sinagoga de Satanás, quem, então, constitui a sinagoga de Deus? João não fornece uma resposta explícita, mas a implicação parece clara. Ladd explica:

“Os verdadeiros judeus são o povo do Messias. Paulo diz a mesma coisa muito claramente: ‘Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra’ (Rm 2:28,29). Que este ‘judaísmo de coração’ não deve ser limitado aos crentes judeus, mas incluir os crentes gentios é claro nas palavras de Paulo aos Filipenses: ‘Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo’ (Fp 3:3). Devemos concluir, então, que João faz uma distinção real entre Israel literal – os judeus – e Israel espiritual – a Igreja.”
O segundo ponto importante sobre esta passagem é que nela encontramos uma alusão a vários textos do A.T. em que é profetizado que os gentios virão e se curvarão diante de Israel nos últimos dias. Por exemplo:
“Também virão a ti, inclinando-se, os filhos dos que te oprimiram; e prostrar-se-ão às plantas dos teus pés todos os que te desprezaram; e chamar-te-ão a cidade do SENHOR, a Sião do Santo de Israel.” (Is 60:14)

“Assim diz o SENHOR: O trabalho do Egito, e o comércio dos etíopes e dos sabeus, homens de alta estatura, passarão para ti, e serão teus; irão atrás de ti, virão em grilhões, e diante de ti se prostrarão; far-te-ão as suas súplicas, dizendo: Deveras Deus está em ti, e não há nenhum outro deus.” (Is 45:14)


“E os reis serão os teus aios, e as suas rainhas as tuas amas; diante de ti se inclinarão com o rosto em terra, e lamberão o pó dos teus pés; e saberás que eu sou o SENHOR, que os que confiam em mim não serão confundidos.” (Is 49:23)
Mas, como David Aune salienta:
“O uso irônico dessa idéia central é claro: em todas estas passagens é esperado que os gentios se ajoelhem diante de Israel, enquanto que em Ap 3:9 é dos judeus que se espera que ajoelhem-se ante aos pés dessa (em sua maioria gentílica) comunidade Cristã.”
O que torna isso ainda mais intrigante é o fato de que em Is 60:14 “aqueles” (os gentios) chamarão “eles” (os israelitas) de “a cidade do SENHOR, a Sião do Santo de Israel”. Isto é precisamente o que vemos em Apocalipse 3:12, todavia, esta passagem se refere à Igreja! Lá podemos ler que a esses vencedores ante quem estes judeus se prostram é dado o nome de... “cidade do meu Deus, a nova Jerusalém!” Observe também que o nome pelo qual Jesus se identifica com os crentes de Filadélfia é “o Santo” (reforçando a ligação entre Apocalipse 3 e Isaías 60).
Da mesma forma, a frase “e saibam que eu te amo” pode ser uma alusão a Isaías 43:4...

“Visto que [Israel] foste precioso aos meus olhos, também foste honrado, e eu te amei...”
...reforçando assim a noção de que João viu na Igreja o cumprimento dessas promessas proféticas do A.T. Em outras palavras, a realização dessas profecias de Isaías, segundo Michael Wilcock:
“...será o contrário do que era esperado pelos judeus de Filadélfia: eles é que terão de "prostrar-se aos teus pés" e reconhecer "que eu te amei". Oh! Que os cristãos se animem, pois são os favoritos do Senhor.”
5 - Apocalipse 7:15 fala dos santos no “templo” celestial de Deus e que Ele “os cobrirá com a sua sombra.” Esta é uma clara referência a Ezequiel 37:26-28, uma passagem que em seu contexto veterotestamentário é uma profecia da restauração de Israel. Deus diz:
E farei com eles uma aliança de paz; e será uma aliança perpétua. E os estabelecerei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre.
E o meu tabernáculo estará com eles, e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
E os gentios saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre.”
Considere o comentário de Beale:
“A ligação com Ezequiel é confirmada a partir do paralelo em Apocalipse 21:3, onde Ez 37:27 é citado de forma mais completa e é imediatamente seguido em 21:4,6b pelas mesmas alusões do A.T. encontradas em Ap 7:16,17. Mais uma vez, a multidão inumerável dos redimidos na Igreja é vista como o cumprimento de uma profecia a respeito da restauração Israel nos últimos dias. A aplicação de Ez 37:27 para a Igreja é surpreendente porque Ezequiel ressalta que quando esta profecia ocorre, o resultado imediato será que ‘os gentios saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre’ (37:28). Portanto, Ezequiel 37 foi uma profecia aplicada unicamente ao Israel étnico e teocrático em contraste com as demais nações, mas agora João a entende como cumprida na Igreja.”
O conforto e as bênçãos da presença de Deus são retratados nos termos retirados de Isaías 49:10, sendo este outro texto que se refere aos resultados da restauração de Israel:
“Nunca terão fome, nem sede, nem o calor, nem o sol os afligirá; porque o que se compadece deles os guiará [ou seja, Ele será o seu pastor] e os levará mansamente aos mananciais das águas.”
Como se isso não bastasse, outra promessa profética ligada à restauração de Israel é acrescentada a esta lista de bênçãos agora aplicadas à Igreja:
“...e assim enxugará o Senhor DEUS as lágrimas de todos os rostos” (Is 25:8; comparar com Ap 7:17)
Parece não haver como escapar do fato de que João vê a esperança da restauração de Israel e todas as suas bênçãos cumpridas na salvação de multidões de cristãos que compõem a Igreja, ambos crentes judeus e gentios.

6 - Em Apocalipse 21:14, o muro da Nova Jerusalém tem “doze fundamentos” nos quais estão escritos os nomes dos doze apóstolos (v. 14). O número “24”, a soma das “12” tribos e dos “12” apóstolos, já ocorreu em 4:4. Alguns apontam para a organização de Davi dos servos do templo em 24 ordens de sacerdotes (1º Crônicas 24:3-19), 24 porteiros levitas (26:17-19) e 24 ordens de levitas (25:6-31).

Estou de acordo com Beale quando ele diz que:

“A integração dos apóstolos juntamente com as tribos de Israel como parte da estrutura da cidade-templo profetizada em Ezequiel 40-48 confirma ainda mais... que a multirracial Igreja cristã será o grupo de redimidos que, juntos com Cristo, cumprirá a profecia de Ezequiel de um futuro templo e uma futura cidade.”
Assim, outra vez vemos aqui uma ênfase no único povo de Deus, composto de crentes judeus e crentes gentios, que juntos herdam igualmente as promessas.
Estes não são de modo algum todos os textos que afirmam esta verdade. Por exemplo, se somente os Evangelhos Sinópticos fossem pesquisados (algo que talvez eu faça em um estudo posterior), seria revelado muitos outros casos em que a Igreja é retratada como a continuação do remanescente crente do Israel veterotestamentário e, portanto, herdeiros segundo a promessa.

Antes de terminar, deixe-me novamente dizer isso de uma forma bem clara. Nem um único judeu étnico que crê em Jesus Cristo como Messias foi “substituído” ou perdeu sua herança nas bênçãos do pacto. Pelo contrário, individualmente cada gentio étnico que acredita em Jesus Cristo como o Messias foi “incluído” na comunidade de Israel e enxertado na oliveira. Deste modo, o verdadeiro Israel, a verdadeira “descendencia” de Abraão, ou seja, todo e qualquer que estiver “em Cristo” pela fé, independente da etnia, herdará juntamente as bênçãos da aliança.

Na terceira e última parte desta série eu irei abordar a questão da terra santa. De quem é, agora e na eternidade, e baseado em quê?


continua...


sábado, 6 de fevereiro de 2010

A Igreja, Israel, e Teologia da “Substituição” - Parte 1

Importante: O texto a seguir é de autoria de Sam Storms, Doutor em Teologia Histórica pelo Seminário Teológico de Dallas.

Recentemente um amigo me escreveu pedindo a minha opinião sobre se Israel tem ou não direito à Terra Santa. Ou seja, pode Israel apelar à aliança feita com Abraão, Isaque e Jacó para justificar a sua presença e posse da terra da Palestina? Meu amigo questionou se o ponto de vista que eu defendo é o que muitos chamam de teologia da “substituição”. Deixe-me aproveitar a oportunidade para abordar a questão.
Antes de iniciar, duas palavras de introdução são necessárias. Primeiro, eu quero fazer um apelo a todos os que se engajam neste debate a fim de que o façamos com civilidade e generosidade para com aqueles de quem discordamos, seja de que lado for. Faço este pedido porque eu tenho notado que o que veio a ser conhecido como “Sionismo Cristão” nos expõe a acusação de anti-semitismo ou uma cegueira induzida por demônios por estarmos em desacordo com esta posição. Eu espero que todos possamos concordar que este é um problema que requer um exame cuidadoso e paciente das Escrituras juntamente com uma boa vontade em dialogar com a mente aberta.
Segundo, recentemente enquanto eu estava ministrando na Georgia eu li um artigo perturbador no The Atlanta Journal-Constitution (quinta-feira, 27 de outubro, 2005).[1] Então, novamente, um dia depois eu li uma notícia similar no The Drudge Report.[2] Ambos os artigos informaram que o presidente do Irã, Mahmoud Ah-madinejad, pediu para Israel ser “varrido do mapa.” Ele também denunciou as tentativas de reconhecer Israel e/ou normalizar as relações com esta nação. De acordo com o artigo, o presidente iraniano declarou que:
“Qualquer um que reconheça Israel vai queimar no fogo da fúria da nação islâmica.”
Depois de vários chefes de estado denunciarem o presidente iraniano por estes comentários, manifestações em massa eclodiram em cidades iranianas que expressaram raiva e desprezo pela existência da nação de Israel.
Deixe-me ser perfeitamente claro. Eu espero e oro para que todos os cidadãos americanos, sejam eles cristãos ou não, possam estar firmes em sua oposição a esta espécie de mal e retórica irresponsável. Eu acredito que Israel tem todo o direito de existir e florescer como uma nação, e eu espero que os Estados Unidos possam manter a sua vigilância em defesa de Israel contra todas essas ameaças islâmicas e ataques futuros.
Declaradamente, então, eu acredito que Israel tem o direito de existir na terra e que temos uma obrigação moral e política em estar com ele contra todos os inimigos. Mas isto não é a mesma coisa que dizer que Israel tem um direito bíblico ou pactual ao território sobre o qual tanto sangue foi derramado nos últimos anos (na verdade, nos últimos séculos). Tampouco aborda a questão de que papel, se houver, a “terra prometida” terá no propósito redentivo de Deus para o seu povo e para este mundo. Para este problema específico, volto-me agora.
Primeiro, eu acredito que quando Deus estabeleceu sua aliança em Gênesis 12, Ele afirmou que a semente (algumas vezes traduzido por “descendência”) de Abraão iria herdar a terra de Canaã (entre outras coisas) em cumprimento da promessa.
Mas nunca devemos ler tais promessas, ou qualquer coisa no Antigo Testamento, como se Jesus não tivesse vindo e o Novo Testamento não tivesse sido escrito. Ou, para ser mais claro, o Antigo Testamento sempre deve ser lido a luz do Novo. Eu nunca li tais textos veterotestamentários sem imediatamente perguntar:
“Será que o N.T. adiciona luz sobre como eu entendo a natureza de tais promessas e seus destinatários?”
Há vários textos que lançam luz sobre como devemos entender a aliança feita com Abraão e seus descendentes.

1 – Considere Romanos 9:6-7. O contexto dessa passagem é a resposta de Paulo à acusação de que não se pode confiar em Deus, porque muitos israelitas, seus “parentes segundo a carne” (9:3), estão na incredulidade. Se não é possível confiar em Deus para cumprir sua promessa de aliança com o Israel do A.T, como pode ser possível confiar nEle para cumprir qualquer de suas promessas para a Igreja do N.T.?
Ou ainda, poderíamos colocar dessa forma: Se Israel é o povo da aliança de Deus, a quem tantas glórias e privilégios foi dado (Romanos 9:4-5), por que são tão poucos os israelitas salvos? Porque tantos deles são “anátemas, separados de Cristo?” Será que a Palavra de Deus falhou? Será que a promessa da aliança de Deus e Seu propósito eterno vieram para nada? A rejeição de Jesus Cristo pela maioria dos israelitas tem frustrado o propósito de Deus? Foi a confiabilidade e finalidade da Palavra de Deus prejudicada pela incredulidade de tantos Judeus? A resposta de Paulo à pergunta é um sonoro NÃO!
Se a promessa e aliança da palavra de Deus é que todos os israelitas étnicos, ou seja, todos aqueles que são descendentes físicos de Israel devem ser salvos, então, claramente o Seu propósito falhou e Sua palavra não tem valor. Mas Paulo nega que Deus sempre planejou salvar todo o Israel étnico. Seu propósito sempre foi o de salvar um remanescente interior, mas não a totalidade de uma descendência física. Esta é a força de sua declaração que:
“...nem todos os descendentes de Israel são israelitas.” (Rm 9:6)
Existe um Israel dentro de Israel. Há um remanescente espiritual eleito dentro da nação física. John Murray resume:
“O propósito desta distinção é mostrar que a promessa da aliança de Deus não diz respeito a Israel segundo a carne, mas a este verdadeiro Israel e que, por isso, a incredulidade e rejeição do Israel étnico como um todo em nada interferiu no cumprimento do propósito da promessa e aliança de Deus. A Palavra de Deus, portanto, não foi violada.”
Basta entender que: Nem toda pessoa que é um israelita étnico-físico é um israelita espiritualmente eleito.
Doug Moo resume desta forma:
“Se o A.T. ensina que pertencendo ao Israel físico em si torna uma pessoa um membro do verdadeiro povo espiritual de Deus, então o evangelho de Paulo está em perigo. Para que fosse este o caso, o Evangelho, proclamando que somente aqueles que crêem em Jesus Cristo podem ser salvos (conferir 3:20-26), estaria contradizendo o A.T. e seria arrancado de suas raízes históricas indispensáveis. Paulo, portanto, argumenta em Romanos 9:6b-29 que pertencer ao verdadeiro povo espiritual de Deus sempre foi baseado na chamada graciosa e soberana de Deus e não na identidade étnica. Assim, Deus é livre para ‘estreitar’ os limites aparentes da eleição, escolhendo apenas alguns judeus para serem salvos (versos 6-13; 27-29). Ele também é livre para ‘expandir’ as dimensões de seu povo escolhendo os gentios (versos 24-26).”
Assim, vemos que a promessa inicial de Gênesis 12 não significa que todos os descendentes físicos de Abraão, Isaque e Jacó seriam salvos ou herdariam as bênçãos, tal como a terra, como se tudo isso fosse ocasionado por esse pacto. Devemos lembrar, diz Paulo (com adição de paráfrase), que:
“...nem todos os que são de Israel [ou seja, a descendência física] são israelitas [ou seja, a descendência espiritual]; Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos [quer dizer, herdeiros da promessa]; mas: Em Isaque será chamada a tua [física ou étnica] descendência.”
2 – Esta não é a única passagem que fornece um esclarecimento concernente a identidade do “verdadeiro” Israel, isto é, o povo para quem as promessas da aliança serão cumpridas. Talvez o texto mais explícito pode ser encontrado em Efésios 2.
Nós já vimos em Romanos 9:6-7 que simplesmente ser um descendente físico de Abraão não garante que alguém é um receptor das bênçãos da aliança. Qualquer pessoa deve crer em Jesus como o Messias. Isso sugere, portanto, que somente os crentes que são descendentes físicos de Abraão são herdeiros das bênçãos da aliança? Não. Observe comigo Efésios 2:11 em seu contexto.
Lendo este capítulo eu descobri que por causa da obra de Cristo o significado de “Israel” foi agora expandido. Não mais faz referência simplesmente aos descendentes físicos de Abraão que crêem no Messias. Certamente isto os inclui. Mas agora os crentes gentios não são mais “estrangeiros, nem forasteiros” com relação ao pacto da promessa quando se trata da comunidade de Israel, mas são “concidadãos” com eles e “co-herdeiros” de todas as bênçãos do concerto (ver Efésios 2:11-19 e 3:6).
Ao contrário de como alguns tem entendido isto, ninguém foi “substituído”. Antes, os gentios foram “incluídos”, de tal forma que agora, como diz Paulo em Efésios 2:14,15, há apenas “um novo homem”, ou seja, a Igreja.
Novamente observo que por virtude de sua obra, Cristo criou...
“...em si mesmo dos dois um novo homem.” (Efésios 2:15)
Este corpo, este novo homem, a Igreja, é o único e verdadeiro povo de Deus que herdará as promessas feitas a Abraão. Este novo homem, a Igreja, consiste de ambos os crentes, judeus e gentios, de quem são co-herdeiros de todas as promessas.
É por isso que Pedro pode pegar todos aqueles privilégios especiais e títulos reservados para o Israel veterotestamentário (Êxodo 19:5,6) e aplicá-los livremente à Igreja neotestamentária.
Este novo homem, a Igreja, diz Pedro, é a:
“...geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido.” (1ª Pedro 2:9)
O apóstolo Paulo não poderia ter dito isto com mais clareza:
“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne.
Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra.” (Romanos 2:28,29a)
A “verdadeira circuncisão”, diz Paulo, compreende a todos:
“...nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne.” (Fp 3:3)
Uma objeção levantada freqüentemente neste ponto, geralmente soa algo como isto:
“Mas quando eu leio Gênesis 12:7; 13:15,16 e 17:7,8, lá diz muito claramente que Deus estabeleceu sua aliança e legou a terra a Abraão e à sua descendência. Isso não resolve a questão de uma vez por todas?”
Não, porque também temos de perguntar:
“Tendo em vista a vinda de Jesus Cristo, o que o N.T. nos diz sobre a identidade da ‘descendência’ para quem esta promessa foi dada?
3 – A resposta e esta pergunta é encontrada não só em Romanos 9 e Efésios 2, mas também em Gálatas 3, onde Paulo faz uma declaração surpreendente. Eles nos fornece uma interpretação inspirada daquelas passagens do A.T.
No verso 16 ele declara:
“Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.”
Incrível! Aqui Paulo diz inequivocamente que a “descendência” de Abraão, com quem Deus estabeleceu sua aliança e a quem a terra e todas as bênçãos foram prometidas, culminou em um único descendente físico deste, a saber, Jesus, o Messias! Jesus é “O DESCENDENTE” de Abraão, a quem Deus tinha em mente quando ele fez sua promessa de aliança.
Ao ler isto pode-se pensar que a porta foi fechada para todos, sejam judeus ou gentios, e que apenas Jesus vai herdar as promessas. Mas quando você pensa que Paulo limitou-a a apenas uma pessoa, ele “escancara” o portão das bênçãos do reino de Deus, dizendo no final de Gálatas 3:
“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.
E, SE SOIS DE CRISTO, ENTÃO SOIS DESCENDÊNCIA DE ABRAÃO [OU SEJA, GERAÇÃO], E HERDEIROS CONFORME A PROMESSA.” (versos 28 e 29)
Aqui está o deslumbrante ponto de Paulo: Jesus, o Messias, é a única geração, ou progenitura, ou descendência de Abraão para quem as promessas foram dadas. Então, se você está “em Cristo” através da fé e, portanto, pertence a Ele, então você também é “geração” ou “descendente de Abraão” e, assim, você também é um herdeiro da promessa da aliança! É por isso que Paulo pode dizer que:
“...os que são da fé são filhos de Abraão.” (Gl 3:7)
E também que:
“...os que são da fé são benditos com o crente Abraão.” (Gl 3:9; conferir 3:14)
A conclusão de Paulo é que, numa análise final, uma etnia não tem nada a ver com quem vai ou não herdar as promessas. Nem o gênero (homem e mulher) ou status sócio-econômico (escravo ou livre). O único critério relevante é saber se você está ou não ligado pela fé na única “semente” de Abraão para quem as promessas da aliança foram destinadas. Você está “em Cristo”? Se assim for, você (independentemente da etnia, gênero ou status social) não é inferior a ninguém, é descendência de Abraão e, portanto, pertence àqueles para quem a aliança foi feita e em quem as bênçãos dessa aliança serão cumpridas.
Alguém poderia dizer:
“Mas espere um minuto. Não é o que dizem os textos do A.T. Eles dizem que as promessas só foram dadas e serão cumpridas em crentes judeus.”
Isto é correto. É por isso que Paulo disse tão claramente quanto poderia em Efésios 3:4-6, que a inclusão dos gentios como co-herdeiros é o:
“mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens (isto é, no tempo do A.T.), como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas.” (3:5)
Crentes gentios são como “judeus”, no único sentido que importa para Deus, isto é, espiritualmente (conferir Rm 2:28,29), como qualquer dos descendentes físicos de Abraão, Isaque e Jacó.
Então, sim, é verdade que somente crentes “judeus” herdarão a promessas dadas a Abraão, Isaque e Jacó. Mas os “verdadeiros judeus” são todos aqueles herdeiros que estão “em Cristo”, incluindo qualquer derivação étnica.
Existem inúmeros outros textos no N.T. que afirmam a mesma verdade (ver segunda parte desta série). Meu objetivo aqui é simplesmente esclarecer porquê motivo eu vejo a Igreja como o “novo homem”, o verdadeiro Israel de Deus em e para quem todas as promessas serão cumpridas. As promessas não serão cumpridas exclusivamente em e para uma “nação” separada dos israelitas étnicos, mas em e para todos os crentes israelitas étnicos juntamente com todos os crentes gentios étnicos, ou seja, na Igreja.

4 – Praticamente a mesma questão é vista em Romanos 11, onde Paulo usa a imagem da oliveira. O conceito da teologia da substituição é a afirmação de que Deus desenraizou e colocou de lado eternamente a oliveira que é Israel e plantou em seu lugar uma oliveira inteiramente nova, a Igreja. Todas as promessas feitas ao primeiro foram transferidas para este último.
Mas isto não é o que Paulo diz. Ele claramente afirma que há apenas uma oliveira, enraizada nas promessas dadas aos patriarcas. Nesta única árvore (isto é, neste único povo de Deus) há tanto crentes judeus (ramos naturais) como crentes gentios (ramos enxertados). Juntos, eles constituem o único povo de Deus, o verdadeiro Israel em e para quem as promessas serão cumpridas. Este único povo é, obviamente, a Igreja.
Nenhum crente judeu e nenhum crente gentio tem qualquer vantagem sobre o outro. Quando se trata de herdar as promessas, na qual está incluída a “terra”, eles são co-herdeiros. Na verdade, quando se trata de herdar as promessas, a etnia é irrelevante. O único fator relevante é o relacionamento com Jesus Cristo pela fé.
Eu disse anteriormente que há textos no N.T. que abordam o mesmo assunto, e eu, brevemente, vou tomar nota de vários deles na segunda parte desta série. Então, na terceira parte, voltarei a abordar o problema que primariamente levou a este estudo: a “terra” prometida a Israel e o atual conflito na Palestina, assim como quem possui direitos territoriais.

continua...


[01] O The Atlanta Journal-Constitution é o único grande jornal diário da cidade de Atlanta, situada na Geórgia, E.U.A.
[02] A The Drudge Report é uma agência estadunidense de notícias via internet.


Traduzido por MAC.

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