quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Igreja, Israel, e Teologia da “Substituição” - Parte 2

...continuação.

Importante
: O texto a seguir é de autoria de Sam Storms, Doutor em Teologia Histórica pelo Seminário Teológico de Dallas.


Há inúmeras passagens no N.T. onde profecias do A.T. concernentes à re-união e restauração de Israel são aplicadas à Igreja, indicando-a como o “verdadeiro Israel”, composto de ambos os crentes judeus e gentios em quem as promessas serão cumpridas. Colocando em outros termos, a Igreja não substitui Israel, mas pega e perpetua em si o remanescente crente dentro da nação como um todo.

O “verdadeiro Israel” de Deus, que no A.T. era formado por todos os judeus étnicos que foram circuncidados no coração, encontra sua expressão neotestamentária na Igreja, agora constituída por todos os crentes judeus étnicos e todos os crentes gentios étnicos. Ou, para usar os exemplos de Paulo em Romanos 11, a Oliveira equivale ao Verdadeiro Israel, que por sua vez refere-se à Igreja a qual é constituída por ambos os ramos naturais (judeus) e ramos enxertados (gentios), mas em todos os casos “ramos crentes”.

Esta é a única maneira que eu posso explicar ou descrever os muitos textos em que as profecias, promessas, títulos e privilégios que descrevem o Israel do A.T. são aplicados e cumpridos pela Igreja no N.T. Uns poucos exemplos representativos terão de bastar.


1 - Em Atos 15:14-18, Tiago interpreta a profecia de Amós 9 que descreve a reconstrução do tabernáculo de Davi como encontrando o seu cumprimento no chamado dos gentios e na formação progressiva da Igreja Cristã. (Para uma exposição completa desta passagem, ver meu artigo intitulado “Atos 15:14-17 e a reconstrução do tabernáculo de Davi”, encontrado em Escatologia, na seção de Estudos Teológicos do site
www.enjoyinggodministries.com).

2 - Em Romanos 9:25,26, Paulo cita duas passagens de Oséias (1:10 e 2:23) que foram dirigidas às dez tribos apóstatas do norte de Israel antes do exílio Assírio em 722-21 a.C. Elas descrevem tanto a condição rebelde de Israel (“não sois meu povo”) como a sua profetizada restauração futura (“meu povo” / “filhos do Deus vivo”).

Mas aqui Paulo aplica-as ao chamado ou salvação dos gentios. Eu concordo com George Ladd quando ele diz que:

“Paulo deliberadamente toma estas duas profecias sobre a futura salvação de Israel e aplica-as à Igreja. A Igreja, consistindo de ambos judeus e gentios, tornou-se o povo de Deus. As profecias de Oséias são realizadas na Igreja Cristã. Se esta é uma hermenêutica espiritualizada, então que seja. Mas que ninguém diga que é liberalismo. Isto é claramente o que o Novo Testamento faz com as profecias do Antigo Testamento.”
Segundo este ponto de vista, a promessa profética veterotestamentária de reunir Israel no pacto da fé ao Senhor está sendo progressivamente cumprida na salvação de crentes judeus e gentios na presente era, isto é, na Igreja. O chamado dos gentios de entre toda tribo, língua, povo e nação é a profetizada restauração de Israel. Para a Igreja, é a continuação e o amadurecimento do remanescente crente de Israel.

3 - Em Apocalipse 2:17, João (citando Jesus) promete aos vencedores (isto é, a Igreja) um “novo nome” que:
“...ninguém conhece senão aquele que o recebe”.
Esta é uma clara referencia à profecia em Isaías 62:2...
“E os gentios verão a tua justiça, e todos os reis a tua glória; e chamar-te-ão por um nome novo, que a boca do SENHOR designará.”
...e 65:15...
“...e a seus servos chamará por outro nome.”
...sobre a futura condição majestosa e restauração de Israel ao Senhor, ambas as quais são agora aplicadas aos indivíduos que fazem parte da Igreja.

4 - Apocalipse 3:9 é especialmente instrutivo. Aqui Jesus promete a Igreja em Filadélfia que Ele fará:

“...aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo.”
Há dois pontos importantes a levantar:
Primeiro, Ele se refere a pessoas que:

“...se dizem judeus, e não são, mas mentem.” (para ver uma declaração quase idêntica, ver Ap 2:9)
É evidente que, em certo sentido, essas pessoas são judeus, os descendentes físicos de Abraão, Isaque e Jacó, que reuniam-se regularmente na sinagoga para adorar. No entanto, em outro sentido, isto é, interiormente e espiritualmente, eles não são judeus, tendo rejeitado a Jesus que agora é perseguido e caluniado pelo Seu povo. Na verdade, os seus encontros na sinagoga são fortalecidos pelo próprio Satanás.
Mas se eles são falsos judeus, quem, então, são os verdadeiros judeus? Se eles são a sinagoga de Satanás, quem, então, constitui a sinagoga de Deus? João não fornece uma resposta explícita, mas a implicação parece clara. Ladd explica:

“Os verdadeiros judeus são o povo do Messias. Paulo diz a mesma coisa muito claramente: ‘Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra’ (Rm 2:28,29). Que este ‘judaísmo de coração’ não deve ser limitado aos crentes judeus, mas incluir os crentes gentios é claro nas palavras de Paulo aos Filipenses: ‘Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo’ (Fp 3:3). Devemos concluir, então, que João faz uma distinção real entre Israel literal – os judeus – e Israel espiritual – a Igreja.”
O segundo ponto importante sobre esta passagem é que nela encontramos uma alusão a vários textos do A.T. em que é profetizado que os gentios virão e se curvarão diante de Israel nos últimos dias. Por exemplo:
“Também virão a ti, inclinando-se, os filhos dos que te oprimiram; e prostrar-se-ão às plantas dos teus pés todos os que te desprezaram; e chamar-te-ão a cidade do SENHOR, a Sião do Santo de Israel.” (Is 60:14)

“Assim diz o SENHOR: O trabalho do Egito, e o comércio dos etíopes e dos sabeus, homens de alta estatura, passarão para ti, e serão teus; irão atrás de ti, virão em grilhões, e diante de ti se prostrarão; far-te-ão as suas súplicas, dizendo: Deveras Deus está em ti, e não há nenhum outro deus.” (Is 45:14)


“E os reis serão os teus aios, e as suas rainhas as tuas amas; diante de ti se inclinarão com o rosto em terra, e lamberão o pó dos teus pés; e saberás que eu sou o SENHOR, que os que confiam em mim não serão confundidos.” (Is 49:23)
Mas, como David Aune salienta:
“O uso irônico dessa idéia central é claro: em todas estas passagens é esperado que os gentios se ajoelhem diante de Israel, enquanto que em Ap 3:9 é dos judeus que se espera que ajoelhem-se ante aos pés dessa (em sua maioria gentílica) comunidade Cristã.”
O que torna isso ainda mais intrigante é o fato de que em Is 60:14 “aqueles” (os gentios) chamarão “eles” (os israelitas) de “a cidade do SENHOR, a Sião do Santo de Israel”. Isto é precisamente o que vemos em Apocalipse 3:12, todavia, esta passagem se refere à Igreja! Lá podemos ler que a esses vencedores ante quem estes judeus se prostram é dado o nome de... “cidade do meu Deus, a nova Jerusalém!” Observe também que o nome pelo qual Jesus se identifica com os crentes de Filadélfia é “o Santo” (reforçando a ligação entre Apocalipse 3 e Isaías 60).
Da mesma forma, a frase “e saibam que eu te amo” pode ser uma alusão a Isaías 43:4...

“Visto que [Israel] foste precioso aos meus olhos, também foste honrado, e eu te amei...”
...reforçando assim a noção de que João viu na Igreja o cumprimento dessas promessas proféticas do A.T. Em outras palavras, a realização dessas profecias de Isaías, segundo Michael Wilcock:
“...será o contrário do que era esperado pelos judeus de Filadélfia: eles é que terão de "prostrar-se aos teus pés" e reconhecer "que eu te amei". Oh! Que os cristãos se animem, pois são os favoritos do Senhor.”
5 - Apocalipse 7:15 fala dos santos no “templo” celestial de Deus e que Ele “os cobrirá com a sua sombra.” Esta é uma clara referência a Ezequiel 37:26-28, uma passagem que em seu contexto veterotestamentário é uma profecia da restauração de Israel. Deus diz:
E farei com eles uma aliança de paz; e será uma aliança perpétua. E os estabelecerei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre.
E o meu tabernáculo estará com eles, e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
E os gentios saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre.”
Considere o comentário de Beale:
“A ligação com Ezequiel é confirmada a partir do paralelo em Apocalipse 21:3, onde Ez 37:27 é citado de forma mais completa e é imediatamente seguido em 21:4,6b pelas mesmas alusões do A.T. encontradas em Ap 7:16,17. Mais uma vez, a multidão inumerável dos redimidos na Igreja é vista como o cumprimento de uma profecia a respeito da restauração Israel nos últimos dias. A aplicação de Ez 37:27 para a Igreja é surpreendente porque Ezequiel ressalta que quando esta profecia ocorre, o resultado imediato será que ‘os gentios saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre’ (37:28). Portanto, Ezequiel 37 foi uma profecia aplicada unicamente ao Israel étnico e teocrático em contraste com as demais nações, mas agora João a entende como cumprida na Igreja.”
O conforto e as bênçãos da presença de Deus são retratados nos termos retirados de Isaías 49:10, sendo este outro texto que se refere aos resultados da restauração de Israel:
“Nunca terão fome, nem sede, nem o calor, nem o sol os afligirá; porque o que se compadece deles os guiará [ou seja, Ele será o seu pastor] e os levará mansamente aos mananciais das águas.”
Como se isso não bastasse, outra promessa profética ligada à restauração de Israel é acrescentada a esta lista de bênçãos agora aplicadas à Igreja:
“...e assim enxugará o Senhor DEUS as lágrimas de todos os rostos” (Is 25:8; comparar com Ap 7:17)
Parece não haver como escapar do fato de que João vê a esperança da restauração de Israel e todas as suas bênçãos cumpridas na salvação de multidões de cristãos que compõem a Igreja, ambos crentes judeus e gentios.

6 - Em Apocalipse 21:14, o muro da Nova Jerusalém tem “doze fundamentos” nos quais estão escritos os nomes dos doze apóstolos (v. 14). O número “24”, a soma das “12” tribos e dos “12” apóstolos, já ocorreu em 4:4. Alguns apontam para a organização de Davi dos servos do templo em 24 ordens de sacerdotes (1º Crônicas 24:3-19), 24 porteiros levitas (26:17-19) e 24 ordens de levitas (25:6-31).

Estou de acordo com Beale quando ele diz que:

“A integração dos apóstolos juntamente com as tribos de Israel como parte da estrutura da cidade-templo profetizada em Ezequiel 40-48 confirma ainda mais... que a multirracial Igreja cristã será o grupo de redimidos que, juntos com Cristo, cumprirá a profecia de Ezequiel de um futuro templo e uma futura cidade.”
Assim, outra vez vemos aqui uma ênfase no único povo de Deus, composto de crentes judeus e crentes gentios, que juntos herdam igualmente as promessas.
Estes não são de modo algum todos os textos que afirmam esta verdade. Por exemplo, se somente os Evangelhos Sinópticos fossem pesquisados (algo que talvez eu faça em um estudo posterior), seria revelado muitos outros casos em que a Igreja é retratada como a continuação do remanescente crente do Israel veterotestamentário e, portanto, herdeiros segundo a promessa.

Antes de terminar, deixe-me novamente dizer isso de uma forma bem clara. Nem um único judeu étnico que crê em Jesus Cristo como Messias foi “substituído” ou perdeu sua herança nas bênçãos do pacto. Pelo contrário, individualmente cada gentio étnico que acredita em Jesus Cristo como o Messias foi “incluído” na comunidade de Israel e enxertado na oliveira. Deste modo, o verdadeiro Israel, a verdadeira “descendencia” de Abraão, ou seja, todo e qualquer que estiver “em Cristo” pela fé, independente da etnia, herdará juntamente as bênçãos da aliança.

Na terceira e última parte desta série eu irei abordar a questão da terra santa. De quem é, agora e na eternidade, e baseado em quê?


continua...


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