terça-feira, 30 de março de 2010

O Israel de Deus em Romanos 11 - Parte 1

Importante: O texto a seguir é de autoria de O. Palmer Robertson, doutor em teologia pelo Union Theological Seminary, em Virgínia, EUA. Também é professor de Teologia e de Antigo Testamento.

O Israel de Deus em Romanos 11. [01]

O estabelecimento do Estado de Israel no século 20 alimentou uma nova onda de especulação sobre o plano de Deus para os judeus. Sempre houve aqueles que corajosamente declararam que o Israel étnico exercia um papel especial no fim da era da igreja. Mas, com a formação do Estado de Israel, essa expectativa ganhou uma nova intensidade. Nessa circunstância, poucos se atrevem a negar a probabilidade de uma providência especial para o Israel étnico nos dias do fim dos tempos. A visão de que Deus ainda reserva planos especiais para o Israel étnico supostamente é sustentada mais por Romanos 11 do que por qualquer outra passagem nas Escrituras.

Este capítulo avaliará a evidência que poderia ser interpretada como um argumento a favor dessa visão. Duas questões serão examinadas:


1) evidências de que Romanos 11 trata da presente intenção de Deus para o Israel étnico, e
2) possíveis referências em Romanos 11 à intenção de Deus de tratar o Israel étnico de maneira distinta no futuro.

A. Evidências de que Romanos 11 trata da presente intenção de Deus para o Israel étnico.

Paulo, em muitas passagens de Romanos 11, trata do propósito de Deus para os judeus na era presente. De fato, esse tema é importante em todo o livro de Romanos. Paulo, quando começa essa grande epístola, enfatiza a importância atual dos judeus. O evangelho de Cristo é atualmente o poder de Deus para a salvação “primeiro do judeu, depois do grego” (Rm 1:16). Os capítulos 9 e 10 também enfatizam a importância atual de Israel (v. 9:1-5; 10:1,11-13). Seria surpreendente, de fato, se Romanos 11, que se ajusta tão completamente à unidade de Romanos 9-11, omitisse totalmente qualquer referência à situação presente de Israel.

A maioria dos comentaristas conhece muito bem as referências em Romanos 11 à atual atividade salvadora de Deus entre os judeus. Todavia, a prevalência dessas referências, além de sua importância para a força do capítulo como um todo, em geral, é ignorada. Vários versículos cruciais deveriam ser observados, especialmente por sua ênfase na importância de Israel no plano de Deus:

“Pergunto, então: Acaso Deus rejeitou o seu povo? De maneira nenhuma! Eu mesmo sou israelita, descendente de Abraão, da tribo de Benjamin.” (Rm 11:1)
Paulo, em resposta à questão: “Deus rejeitou o seu povo?”, identifica-se como uma prova viva de que os propósitos de Deus para Israel estão sendo realizados na era presente. Ele próprio é um troféu da graça de Deus.

Paulo não responde a sua própria pergunta, declarando especificamente que Deus não rejeitou seu povo de Israel com respeito a um futuro especial reservado para ele. O apóstolo aponta especificamente para a evidência concreta da atividade presente de Deus em meio aos judeus. Ele próprio é um israelita, indicando, assim, que a graça de Deus está atualmente operando entre os judeus.

“Assim, hoje também há um remanescente escolhido pela graça.” (Rm 11:5)
Paulo enfatiza a condição presente de Israel com a frase “hoje também” (em to nyn kairo). Na situação atual existe um remanescente de Israel.

Esses dois versículos conduzem o primeiro parágrafo de Romanos 11 (v. 1-10) à pergunta de relação de Deus com Israel no momento presente. A discussão de Paulo a respeito do remanescente que foi preservado durante a história redentora pretende aliviar a preocupação dos leitores com a presente condição de Israel. Sem dúvida, nem todos os judeus atualmente acreditam no evangelho. Mas nunca foi intenção de Deus salvar o Israel étnico por completo.

“Estou falando a vocês, gentios. Visto que sou apóstolo para os gentios, exalto o meu ministério, na esperança de que de alguma forma possa provocar ciúme me meu próprio povo e salvar alguns deles.” (Rm 11:13,14)
As expressões “provocar ciúme” e “salvar alguns” em Israel, devem ser entendidas no contexto do relacionamento presente de Deus com a nação. Paulo está descrevendo as consequências desejadas de seu ministério aos gentios. Ele, com seu ministério atual, espera ver os judeus tomados de ciúme quando virem os crentes gentios compartilhar a bênção do Reino messiânico.
Essa referência ao salvamento presente de alguns em Israel por causa do ciúme provocado (v. 13,14) está diretamente relacionada à idéia da “aceitação” dos judeus nos versículos seguintes (v. 15,16). A expressão “pois se” (ei gar), do versículo 15, associa a “aceitação” dos judeus ao presente ministério do apóstolo Paulo na era do evangelho. O apóstolo, por meio do seu presente ministério entre os gentios, espera provocar o ciúme dos judeus e, assim, salvar alguns deles. Seu “salvamento” descrito no versículo 14 corresponde a sua “aceitação” no versículo 15. Seja qual for o caso, Paulo descreve o que espera que aconteça por meio de seu ministério.

Portanto, uma grande preocupação da seção intermediária deste capítulo são os presentes resultados do ministério de Paulo. A possibilidade de haver uma referência a um futuro papel distinto para Israel será considerada na segunda seção deste capítulo. Mas vale notar, agora, que a atividade presente de salvamento entre os judeus é um característica central desta seção.

O terceiro parágrafo importante de Romanos 11 (v. 17-24) também apresenta a expectativa da boa recepção de Israel em relação à pregação do evangelho. Os parentes de Paulo serão “enxertados”, assim como os gentios. “Se não permanecerem na incredulidade” (ARC), eles participarão das promessas. Essa participação, ao ser “enxertados”, não pode ser adiada para um tempo futuro enquanto os crentes gentios experimentam imediatamente a bênção da aliança. Assim como ocorre com cada crente gentio presente, cada crente judeu presente será enxertado. Como as seções anteriores de Romanos 11, esse parágrafo enfatiza a importância presente dos judeus no cumprimento dos propósitos de salvação de Deus.

“Assim como vocês, que antes eram desobedientes a Deus mas agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles, assim também agora eles se tornaram desobedientes, a fim de que também recebam agora misericórdia, graças à misericórdia de Deus para com vocês.” (Rm 11:30,31)
As três ocorrências de “agora” (nyn) nesses versículos finais indicam que a preocupação central de Paulo continua sendo a reação presente de Israel. Os gentios agora obtiveram a misericórdia e os judeus agora estão sendo desobedientes, bem agora que também podem obter a misericórdia. [02] A declaração concludente do versículo 32 reforça a ênfase na importância presente do evangelho cristão para os judeus e gentios: Deus “colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos”.

O argumento de Romanos 9-11 basicamente não difere do argumento de Romanos 1-3. O evangelho é o poder de Deus para a salvação primeiro para os judeus e também depois para os gentios.

A questão levantada primeiramente pode ser reiterada. As referências em Romanos 11 à intenção atual de Deus para com Israel são prevalecentes e extremamente importantes para a força do capítulo como um todo. Essas referências não excluem necessariamente outras semelhantes a um propósito futuro de Deus para Israel. Contudo, elas advertem o exegeta a não presumir precipitadamente que todo o capítulo de Romanos 11 trata do futuro distinto de Israel. Além disso, como as referências ao papel atual de Israel são encontradas em todas as seções do capítulo, o exegeta deve levar em conta a importância desse papel, independentemente da seção do capítulo a ser considerada.


continua...

[01] Este capítulo é uma análise de um artigo intitulado "Is there a distinctive future for ethnic Israel in Romans 11?" em Perspectives on evangelical theology, Kenneth S. Kantzer and Stanley N. Gundry, orgs. Grand Rapids: Baker, 1979, p. 209-27.
[02] O problema textual do terceiro nyn é mais difícil. Entretanto, a combinação e a incerteza da leitura na p. 46 reforçam essa legitimidade.

segunda-feira, 22 de março de 2010

DÉ.

Hoje eu quero escrever algo diferente do que o a-milenismo.blogspot propõe. Não vou falar sobre escatologia e nem vou fazer qualquer analogia do que escreverei a seguir com as últimas coisas. Também vou procurar me espressar da forma mais simples que eu conseguir, sem ficar escolhendo as palavras ou no quão bem formatado pode ficar esse texto.
Bom, um grande AMIGO meu está indo morar em outra cidade. Não é muito longe de onde eu moro, mas a verdade é que ele vai deixar muita saudade. Também é verdade que não é o fim do mundo e que eu poderei visitá-lo algumas vezes, porém nunca é fácil lidar com uma separação repentina, principalmente quando há laços muito fortes em jogo. Ontem (21/03/2010) eu e toda as pessoas da igreja onde congrego nos despedimos desse AMIGO e preciso falar que foi uma choradeira só... como diz o chavão: “agüenta coração”.
Nem eu nem ninguém pode fazer qualquer coisa para impedir circunstâncias como essa, quer dizer, não dá pra não sentir um pesar pela falta que esse grande AMIGO vai fazer na rotina da minha vida (e isso não se aplica somente a ele, mas a tantos outros que compõem o meu círculo de amizade).
Sinceramente, para mim esta separação está sendo difícil porque esse AMIGO era (e é) um grande referencial para mim. Obviamente ele não vai deixar de sê-lo, mas a distância que ficará entre eu e ele fará com que eu não possa mais escutar com regularidade as suas gargalhadas (quem conhece sabe do que eu estou falando, hehe) e também não poderei mais ter a honra e a alegria de congregar com ele em minha igreja, dentre tantas outras coisas que tanto aprecio nele.
Eu não tive irmãos, apenas irmãs por parte de pai e mãe, mas esse AMIGO foi (e é) como um irmão para mim... irmão de sangue, o sangue de Cristo, que possibilitou que eu conhecesse essa pessoa incrível e que foi instrumento do Senhor, sendo parte da vontade transformadora de Deus em minha vida.
Eu posso dizer com toda a alegria do mundo que eu tenho os melhores AMIGOS do mundo. Eu me alegro em Cristo e agradeço a Deus porque cada AMIGO que Ele me deu é uma bênção de valor inestimável, verdadeiras jóias, presentes do Senhor... AMIGOS que amo e por quem também choro, choro de saudades quando eles, pela vontade perfeita de Deus, precisam nos deixar.
Eu sei que onde quer que esse AMIGO vá, ele vai ser para outras pessoas tudo o que ele foi (e é) para mim e para outros que ficarão aqui. O engraçado nisso tudo é que a dor da saudade que sinto no momento, ao mesmo tempo em que gostaria que ela passasse por ser tão difícil de agüentá-la, também é uma dor que é diretamente proporcional ao que esse AMIGO significa para mim. Ou seja, a dor é grande, mas eu prefiro senti-la porque sei que ele significa muito. Bem sei que não vou sentir essa dor por muito tempo, mas isso não diminuirá em nada tudo o que pela nossa amizade foi construído... mas as saudades ficarão, ah, e como ficarão.

André, valeu cara... eu amo você meu irmão!

domingo, 14 de março de 2010

Proposições sobre o Israel de Deus.

Importante: O texto a seguir é de autoria de O. Palmer Robertson, doutor em teologia pelo Union Theological Seminary, em Virgínia, EUA. Também é professor de Teologia e de Antigo Testamento.

Proposição n.º 1
A igreja de Jesus Cristo, abrangendo os eleitos de Deus de ascendência tanto judaica quanto cristã, é uma parte do Reino messiânico de Cristo, embora não esgote as dimensões desse Reino.

Proposição n.º 2
O Estado judaico moderno não faz parte do Reino messiânico de Jesus Cristo. Embora se possa afirmar que esse governo civil, em especial, surgiu sob a soberania do Deus da Bíblia, seria uma negação da afirmação de Jesus de que seu Reino "não é deste mundo" (Jo 18:36) afirmar que esse governo faz parte de seu Reino messiânico.

Proposição n.º 3
Não se pode definir, por meio das Escrituras, que o nascimento do Estado moderno de Israel seja um precursor profético da conversão maciça do povo judeu.

Proposição n.º 4
A terra da Bíblia foi usada num papel tipológico como modelo de realização consumada dos propósitos de Deus para seu povo redimido que abrange a totalidade do cosmos. Por causa do âmbito naturalmente limitado da terra da Bíblia, não se considera que ela tenha uma importância contínua no plano da redenção que não seja sua função de modelo de ensino.

Proposição n.º 5
Mais do que entender as predições sobre o "retorno" de "Israel" à "terra" como um restabelecimento geopolítico do Estado de Israel, uma interpretação melhor dessas profecias mostra que elas encontram seu cumprimento consumado na "restauração de todas as coisas" que acompanharão a ressurreição dos crentes no retorno de Cristo (At 3:21; Rm 8:22,23).

Proposição n.º 6
Nenhum sacerdócio restabelecido e nenhum sistema sacrificial reinstituído jamais serão introduzidos a fim de proporcionar um suplemento apropriado ao sacerdócio atualmente estabelecido de Jesus Cristo e a seu sacrifício final.

Proposição n.º 7
Nenhuma prática de adoração que coloque os crentes judeus numa categoria diferente dos crentes gentios pode ser considerada uma forma legítima de adoração entre o povo redimido de Deus.

Proposição n.º 8
O futuro Reino messiânico deve incluir como cidadãos de igual importância crentes tanto judeus quanto gentios, inclusive ao ser incorporados igualmente na manifestação presente do Reino de Cristo.

Proposição n.º 9
A futura manifestação do Reino messiânico de Cristo não pode incluir um aspecto particularmente judeu que distinga as pessoas e as práticas dos crentes judeus das de seus irmãos gentios.

Proposição n.º 10
O futuro Reino messiânico abrangerá igualmente a totalidade do cosmos recém-criado e não experimentará uma manifestação especial de qualquer natureza na região da "terra prometida".

Proposição n.º 11
Os crentes gentios devem diligentemente buscar uma comunhão eclesiástica unificada com os crentes judeus, regozijando-se quando estes forem enxertados em Cristo e, em consequência, trouxer uma imensa bênção ao mundo.

Proposição n.º 12
Os crentes judeus devem diligentemente buscar uma comunhão eclesiástica unificada com os crentes gentios, regozijando-se com o propósito de Deus de trazer mais judeus para a fé em Jesus como seu Messias, provocando neles o ciúme pela bênção dos crentes gentios.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Apocalipse 20: Uma resposta ao pré-milenismo.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Anthony A. Hoekema (1913/1988), teólogo cristão que atuou como professor de Teologia Sistemática no Calvin Theological Seminary por vinte e um anos.

Há realmente bastante coisa no ensaio de Ladd com que concordo. [01] Concordo com ele que o Antigo Testamento deve ser interpretado na luz do Novo e que não se justifica uma interpretação total e exclusivamente literal da profecia do Antigo Testamento como Israel espiritual e que o princípio dispensacionalista básico de uma distinção absoluta entre Israel e a igreja, envolvendo dois propósitos de Deus distintos e dois povos de Deus distintos, não tem apoio bíblico. Concordo de todo o coração com o que é dito do reino espiritual de Cristo hoje e a realidade presente do reino de Deus.

Nossa divergência básica é acerca da interpretação de Apocalipse 20:1-6. Agradou-me ver Ladd admitir que este é o único lugar na Bíblia que fala de um milênio (p. 31). Nisto, também, estamos de acordo. Mas, a questão realmente importante é: Qual o significado desta passagem?

Olhando o problema primeiramente de uma perspectiva ampla, Ladd e eu discordamos acerca da relação de Apocalipse 20:1-6 com 19:11-16. A posição de Ladd é:

“Os acontecimentos de Apocalipse 20 seguem-se à visão da Segunda Vinda de Cristo, que é retratada em 19:11-16” (p. 31)
Concordo que Apocalipse 19:11-16 descreve a Segunda Vinda de Cristo. Mas não concordo que o que é descrito no capítulo 20 segue-se necessariamente de forma cronológica ao que é descrito no capítulo 19, da mesma forma que o que é descrito no capítulo 12 (o nascimento do filho varão) ao que é descrito nos últimos versos do capítulo 11 (o julgamento dos mortos e a entrega de recompensas aos santos). Os motivos porque creio que Apocalipse 20:1 leva-nos novamente ao princípio da era do Novo Testamento estão no meu ensaio, páginas 142 a 145.
Concentrando-me em Apocalipse 20:1-6, devo admitir que a interpretação de Ladd destes versos faz sentido e é coerente com a interpretação que ele adotou ao relacionamento entre os capítulos 19 e 20. Não tenho dificuldades em reconhecer sua exegese desta passagem como uma opção válida para os evangélicos, e gosto da maneira cuidadosa e lúcida, própria de um estudioso, em que ele expõe seus pontos de vista.

Mas discordamos, realmente, em nossa interpretação desta passagem. Confio, porém, que ele e os outros que partilham de seus pontos de vista estejam prontos a reconhecer que minha interpretação não vem de uma abordagem liberal da escritura nem de um arrogante abandono do texto, mas de um modo diferente de entender as palavras que estão diante de nós.

Discordo quanto aos seguintes quatro assuntos: Primeiramente, Ladd não nos diz muita coisa do acorrentamento de Satanás descrito nos versos 1 a 3. Ele não diz exatamente o que pensa significar o acorrentamento nem mostra com precisão o que entende por “não mais engane as nações”. Ele não relaciona o acorrentamento de Satanás mencionado aqui com as passagens nos Evangelhos que falam de tal acorrentamento como tendo começado já no tempo da primeira vinda de Cristo (veja as p. 146 a 149 de meu ensaio). Tentei mostrar que é possível entender-se o acorrentamento de Satanás em Apocalipse 20:1-3 como significando que Satanás não pode impedir a propagação do Evangelho durante a presente era, não pode reunir os inimigos de Cristo para atacar a igreja, e que esse acorrentamento acontece durante toda a era da igreja do Novo Testamento (veja ps. 146 a 149).

Em segundo lugar, Ladd traduz a palavra grega ezesan, em ambas as suas ocorrências nesta passagem, por “tornaram à vida” (p. 33). Esta é, confirmo, uma tradução possível.

Outra tradução igualmente possível, porém, é como faz a American Standard Version (Nota do tradutor: assim como as versões mais utilizadas em português): “viveram”.

Em terceiro lugar, Ladd interpreta ezesan em ambos os casos como ressurreição física. Concordo com ele que a palavra precisa ter o mesmo significado as duas vezes que é utilizada, e que é uma exegese irresponsável dar um significado à primeira ocorrência da palavra e outro à segunda. Porém, entendo a palavra como é utilizada aqui com o significado não de regeneração, mas transição da morte física para a vida com Cristo no Céu durante o período entre a morte e a ressurreição (p. 155). Os crentes falecidos tomam parte nessa vida, mas os incrédulos não (ps. 152 a 155).

Ladd entende ezesan nos versos 4 e 5 como o significado de ressurreição física em ambos os casos. Para apoiar essa interpretação ele indica duas outras passagens no livro de Apocalipse onde ezesan tem este significado: 2:8 e 13:14. Concordo com ele sobre 2:8, mas não 13:14. A segunda passagem fala da besta...
...“que recebera a ferida da espada e vivia”.
Ladd comenta que a ferida foi “ferida mortal”, ou ferida que levou à morte, e que “vivia” aqui, portanto, significa ressurreto dentre os mortos (p. 35). Mas o verso 3, a que se refere, não diz que a besta morreu, mas que uma de suas cabeças foi...
...“como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada”.
A palavra grega hõs usada aqui diz-nos que a besta não foi morta, mas apenas pareceu ter sido morta. Por esta razão creio que “vive”, no verso 14, não pode significar ressurreição física.

Há, no entanto, outros usos do verbo zao (de onde vem ezesan) no livro de Apocalipse que não tem o significado de ressurreição física. Em 7:2 e 15:7, por exemplo, a palavra é usada para descrever o fato que Deus vive para sempre; em 3:1 é usada para descrever o que poderíamos chamar de uma vida espiritual:
“tens nome de que vives, e estás morto”.
A referência a outros usos do verbo zao, portanto, não pode ter força decisiva neste assunto.

Eu prefiro fazer alusão ao paralelo de Apocalipse 20:4,5 e que encontramos no capítulo 6:9-11. Aqui, João viu...
...“as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram” (veja a semelhança na linguagem, com 20:4: “as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus”).
Essas almas de mártires falecidos estão aparentemente conscientes e podem se comunicar; são-lhes dadas vestiduras brancas e lhes dizem que repousem. As vestiduras brancas e o descanso sugerem que eles estão gozando um tipo de bênção provisória, que aponta para o eschaton final. Esta é exatamente a situação das almas descritas do capítulo 20, que diz-se que reinam com Cristo enquanto esperam a ressurreição do corpo, que ainda não ocorreu (veja 20: 11-13). Apesar da palavra “viveram” (ezesan) não ser usada em 6:9-11, a situação descrita nestes versos é paralela à situação descrita em 20:4.

Minha interpretação do significado de ezesan, portanto, não está em desarmonia com o restante do livro de Apocalipse. Também não está em desarmonia com o restante do capítulo 20, que prediz a ressurreição do corpo e o julgamento final no fim do capitulo, após a descrição do reinado de mil anos. Apesar dos pré-milenistas costumarem entender a ressurreição descrita nos versos 11-15 como ressurreição dos incrédulos mortos apenas, não há indicação nestes versos que a ressurreição mostrada aqui limita-se a eles. Na verdade, o verso 15 diz:

“E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”.
Mas há alguma indicação de que nenhum dos que diz-se aqui foram ressuscitados dos mortos foi achado inscrito no livro da vida?
Em quarto lugar, concordo que o governo de Cristo agora é praticamente invisível (embora não inteiramente) e que esperamos a expressão visível total desse governo após o retorno de Cristo. Mas porque limitar essa expressão visível a um período de mil anos? Por que essa expressão visível do governo de Cristo precisa ainda acontecer, como Ladd diz na página 37, na História (quer dizer, “no mundo como nós o conhecemos”)? Por que, por exemplo, os crentes precisam ser ressuscitados para viver num mundo que ainda não foi glorificado e ainda geme por causa da presença do pecado, rebelião e morte (veja 8:19-22)? Por que o Cristo glorificado precisaria voltar à terra para governar sobre seus inimigos com vara de ferro e assim ter de suportar ainda oposição à sua soberania? Esta fase de sua obra não ficou completa durante seu estado de humilhação? Não está Cristo voltando na plenitude de sua glória para introduzir, não um período intermediário de paz e bênçãos limitadas, mas o estado final da perfeição ilimitada?

[01] Resposta do amilenista Anthony A. Hoekema ao ensaio do pré-milenista histórico George Eldon Ladd. Trecho do livro Milênio, de Robert G. Clouse.
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