"Estai alertas. Não permitais que vossas lâmpadas se apaguem, nem estejam desatados vossos cintos, mas permanecei prontos, pois não sabeis a hora em que o Senhor virá... Nos últimos dias multiplicar-se-ão os falsos profetas e os assoladores... quando a impiedade aumentar, eles odiarão e perseguirão e um ao outro entregará. Então, aparecerá o enganador do mundo, apresentando-se como Filho de Deus, e fará sinais e maravilhas, e a terra lhe será entregue. E cometerá iniquidades como jamais houve desde o começo do mundo."
"Então, a humanidade entrará no fogo da tribulação e muitos se escandalizarão e perecerão. Mas aqueles que perseverarem na fé serão salvos, apesar da tribulação."
"Depois, aparecerá o sinal da verdade; primeiro, o sinal dos céus abertos; depois, a voz da trombeta e, em seguida, a ressurreição dos mortos. Não de todos, porém, como foi dito: "O Senhor virá e todos os Seus santos com Ele. Então, o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu."
Esse trecho ensina a vinda de um Anticristo pessoal, nele chamado "o enganador do mundo." As provações que ele trará não serão apenas para os Judeus ou os "santos em tribulação", conforme geralmente afirmam os pré-milenistas, mas para toda a raça humana. E não existe, absolutamente, a menor indicação de um "arrebatamento secreto" antes do início desse período.
Insiste-se, todavia, em que aparece aí, no "Didaquê" uma distinção entre a ressurreição de santos e a de ímpios e os pré-milenistas se apressam a inserir os seus mil anos entre as duas. Enganam-se, contudo, na interpretação. A verdade é que a ressurreição dos santos é o último sinal precedendo a vinda do Senhor. Outros, além dos pré-milenistas, podem concordar com essa forma de expressão. O não-milenista Dr. Vos, na sua "Escatologia Paulina", comentando 1ªCor. 15:23,24, diz:
"Deve-se presumir que pelo menos um intervalo breve terá de se verificar entre a ressurreição dos santos e 'o fim'".
Não obstante, logo a seguir, ele insiste em que isso não autoriza, de forma alguma, o período "arredondado" de mil anos.
O "Didaquê" não faz qualquer alusão a um milênio na terra. Parece claro que se o seu autor tivesse crido nisso, o teria dito. Quem, algum dia, encontrou um pré-milenista que conseguisse deixar de se referir ao assunto? É um ponto de relevante importância em sua crença e ele se sente coagido a mencioná-lo.
A Epístola de Barnabé foi escrita na primeira metade do segundo século. Tem sido citada como pré-milenista. A passagem que vamos transcrever não confirma tal alegação:
"O Senhor julgará o mundo sem acepção de pessoas. Cada um receberá segundo o que houver feito: se for justo, sua justiça o precederá; se iníquo, encontrará a recompensa da sua iniquidade."
Isso dá impressão de um julgamento geral. Isto também:
"Virá o dia em que todas as coisas perecerão com o Maligno. O Senhor está próximo, trazendo a Sua recompensa."
Insiste, ainda, com os seus leitores no sentido de procurar saber o que Deus requer deles e "fazê-lo, de forma a estarem seguros, no dia do Juízo."
O esquema histórico de Bamabé foi moldado pelo da semana da Criação, constante do capítulo 1 de Gênesis. A expressão: "E terminou em seis dias" significa, diz ele, que "Deus terminará todas as cousas em seis mil anos. As palavras: "Descansou no dia sétimo" contêm o significado profético de que quando Cristo voltar "destruirá o tempo dos maus e julgará os ímpios e mudará o sol e a lua e as estrelas. Então, realmente descansará no sétimo dia."
Os pré-milenistas consideram esse sétimo dia o milênio, mas estará algum deles disposto a admitir que o milênio é introduzido pelo julgamento dos ímpios, segundo afirma Barnabé com respeito ao sétimo dia? De acordo com a Epístola de Barnabé, o sétimo dia não chegará antes de que "não haja mais impiedade, e todas as cousas se tenham tornado novas." O oitavo dia é "o princípio de um novo mundo." Contudo, toda a distinção entre o sétimo e o oitavo dias parece desaparecer, quando Barnabé declara que Deus, ao dar descanso a todas as coisas (o que acontece no dia sétimo), "faz começar o oitavo dia, isto é, o princípio de um novo mundo."
Um fato, de qualquer forma, está bastante claro: Barnabé não admite a possibilidade de um milênio na terra, durante o qual homens não regenerados viverão sob o reinado de Cristo. É evidente, outrossim, sustenta ele, como todos os da sua época, que os Cristãos e não os Judeus são os herdeiros do concerto. Curioso é observar que o Prof. D. H. Kromminga, um pré-milenista, diz poder-se presumir ter sido Barnabé o que hoje chamamos um "amilenista."
A Epístola a Diognetus — bela e pequenina — fala de um reino futuro, mas no céu, e que será dado aos que amam a Cristo.
Em sua História Eclesiástica, Eusébio, o culto historiador do 4º século, se refere a uma tradição narrada por um escritor eclesiástico de alto coturno, chamado Higesippus. Essa tradição diz respeito a dois membros "da família de Nosso Senhor, netos de Judas, Seu irmão." Contava-se que eram da família de Davi e o rumor da existência de descendentes da família real alarmou o Imperador Domiciano (A.D. 81-96). Foram levados a sua presença e ele lhes perguntou se eram da raça de Davi e quais as propriedades e de que dinheiro dispunham. Embora da linhagem real, tinham apenas um terreno de 39 acres (aproximadamente 16 hectares). Mostraram-lhe as mãos calejadas, como prova do seu trabalho. Quando inquiridos a respeito do reino de Cristo, em que época e onde deveria surgir, responderam que...
"...não seria um reino terreno ou temporal, mas celestial e angélico; que apareceria no fim do mundo quando, vindo em glória, Ele julgaria os vivos e os mortos e daria a cada um conforme as suas obras."
Esses dois ilustres personagens do fim do primeiro século não criam, é óbvio, em um milênio na terra.
Na primeira metade do segundo século, há, realmente, apenas dois escritores que podemos apontar, com alguma segurança, como crendo num futuro reino de Cristo na terra por mil anos — Papias e Justino, o Mártir. Houve, também, sem dúvida, o herege Cerinthus.
A Ireneu e Eusébio devemos alguns fragmentos do que escreveu Papias. Ele descreve, em linguagem extravagante, a fertilidade da terra (dez mil por um) durante o milênio. Diz Eusébio que...
"...Papias narrou algumas parábolas estranhas de Nosso Senhor e da Sua doutrina e algumas outras cousas demasiado fabulosas. Nesses escritos, Papias afirma que haveria um certo milênio depois da ressurreição, e, durante esse período, um reino de Cristo em pessoa aqui mesmo, na terra, coisas essas que parece haver imaginado, como se tivessem sido autorizadas pelas narrações apostólicas, não as tendo compreendido corretamente [...] pois tem uma capacidade de entendimento muito limitada, conforme se verifica pelos seus discursos."
Eusébio, ao que parece, não tem em grande consideração o pré-milenismo de Papias. Foi devido a Papias, segundo Eusébio, que Ireneu e muitos outros "foram arrastados a uma opinião semelhante."
Quando Justino, o Mártir, está se referindo ao reino esperado pelos cristãos, nega tratar-se de um reino humano:
"Pensais que falamos de um reino humano, quando nos referimos àquele que está com Deus."
Justino trata de um julgamento geral, na segunda vinda de Cristo, quando...
"...a morte deixará, para sempre, aqueles que crêem nEle e desaparecerá; quando alguns serão julgados e condenados ao castigo eterno do fogo, mas outros passarão a viver livres do sofrimento, da corrupção, da mágoa e em imortalidade."
Lendo tais afirmações, seria natural supor-se não haver nos ensinamentos de Justino lugar para um milênio na terra. Incongruentemente, entretanto, ele diz, em outro trecho, que haverá uma ressurreição dos mortos e mil anos em Jerusalém, cidade essa que será, então, construída em maiores proporções e adornada e "depois disso, terão lugar a ressurreição geral e o julgamento de todos os homens para a eternidade." No milênio de Justino não haveria, absolutamente, lugar especial para os Judeus, pois afirma, repetidamente, serem os cristãos "a verdadeira raça Israelita." Diz-nos, ainda, que ele e outros, os quais "em tudo pensam acertadamente, sustentam essa noção de um milênio." Admite, porém:
"muitos que professam uma fé piedosa e pura e são verdadeiramente cristãos pensam de outra forma."
Papias e Justino são, portanto, os únicos, de todos os escritores da primeira metade do segundo século, que podem, com alguma propriedade, ser apontados como pré-milenistas. E Justino é decididamente contraditório. Outros, por suas declarações, excluem terminantemente essa doutrina. Os dois primeiros volumes dos "Pais", na Biblioteca Ante-Nicéia, contêm 950 páginas, porém os índices citam apenas dois nomes sob o título "Milênio". Trata-se dos escritos de Papias e Justino.
Passemos, agora, dos Pais Apostólicos para a Antiga Igreja Católica (150-250 d.C.). Esse é o período chamado, por dr. Shedd, "a era do desabrochar do milenismo." Ele assegura, porém, que mesmo naquela época a idéia...
"...não se ajusta à fé católica, conforme está consubstanciada no seu Credo."
O Credo Apostólico, em sua forma primitiva, nos veio daquele tempo e, de conformidade com seus dizeres, não há o estabelecimento corpóreo de Cristo na terra depois de sua ascensão às alturas, até que deixe o Seu lugar junto ao Pai e venha diretamente "de lá" para o Juízo Final.
Ireneu (cerca do 180 d.C.) ensinou a respeito de um milênio na terra, mas um milênio cujos benefícios seriam exclusivamente para os salvos e no qual não teriam participação os ímpios e os não regenerados. Faz referência a opositores de suas idéias milenistas, os quais eram da fé católica.
Os Montanistas, uma das seitas mais fanáticas, floresceram no fim do segundo e no início do terceiro século. Pregavam a próxima chegada do reino milenário. Uma de suas profetisas principais, Maximilla, disse:
"Após mim não haverá mais profecia, mas somente o fim do mundo."
A Nova Jerusalém deveria descer na aldeia de Pepuza, na Frigia. Eles, os Montanistas, foram os mais ardorosos pré-milenistas na Igreja antiga e difundiram largamente esse ponto de vista.
Caio de Roma atacou os Montanistas e chegou ao ponto de atribuir a origem do pré-milenismo ao herege Cerinthus!
Hippolytus, o mais culto membro da Igreja de Roma no princípio do terceiro século, também se opôs aos Montanistas. Escreveu um tratado acerca do Anticristo — "Como ele provocará tribulação e perseguição contra os santos." A Igreja sofrerá tribulação sob o domínio do Anticristo, de acordo com o que diz Hippolytus e...
"...finalmente, aproximando-se a consumação de todo o mundo, que restará, senão a vinda de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo dos céus, Aquele que temos desejado, e que trará o justo juízo sobre todos os que se têm negado a crer nEle."
Quando Cristo vier, diz Hippolytus, tudo o que é terreno será desfeito "para que possa surgir o reino eterno e indestrutível dos santos". Quando Ele vier, destruirá seus inimigos, e dará o reino eterno aos Seus santos. Em vista de tal linguagem, não se pode classificar Hippolytus como pré-milenista.
O terceiro século distinguiu-se por uma oposição firme e decidida à crença em um milênio aqui na terra. Orígenes pugnou contra essa idéia. Seus argumentos, afinal, obtiveram vitória completa. Lactâncio foi o único homem digno de nota, no quarto século, que ainda admitiu o milênio. Atanásio, o grande defensor da doutrina da divindade de Cristo, contra os Arianos, fala de Cristo vindo a julgar o mundo: os bons receberão, então, o reino celestial e os maus serão lançados no fogo eterno. Essa é a sua singela declaração com respeito à doutrina da volta do Senhor.
Agostinho, um dos maiores homens da Igreja Cristã de todos os tempos, viveu de 354 a 430 d.C., a princípio, adotou o "pré-milenismo". Abandonou-o, todavia, considerando-o como uma idéia "carnal". "Agostinho", diz S. J. Case "abateu" tão eficientemente o fantasma do (pré) milenismo, que durante séculos o assunto foi praticamente desconhecido.