domingo, 13 de junho de 2010

Comparação de Profecia com o Apocalíptico.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Ray Summers, professor de Novo Testamento no Seminário Teológico Batista do Sudoeste em Fort Worth, Texas.

Já notamos atrás que o apocalíptico seguiu-se à profecia. É erro, porém, pensar que os dois sejam um e a mesma coisa. São iguais em muitas coisas referentes à sua esfera em geral, mas são bem diferentes quando se trata da aplicação específica do método à esfera de cada um. Diferem na matéria como na forma.

1) Diferenças da profecia no conteúdo. O elemento de predição está presente nos apocalípticos, como também na profecia, mas é mais pronunciado e se relaciona com períodos mais vastos e tem um alcance maior das condições gerais do mundo. Semelhantemente, na profecia e no apocalipse há referências à vinda do Messias, conquanto nos escritos apocalípticos tais referências sejam em maior número e mais definida seja a esperança messiânica. Nas profecias e nos salmos, o Messias está mais relacionado com Israel. Não há referências quase, e mui poucas, ao Seu poder dominante. Já nos apocalípticos é notável a referência ao domínio imperial. Começando em Daniel, encontramos menção clara ao estabelecimento dum reino mundial, do qual não haverá fim. [03] Essa ideia atinge o auge apocalíptico no livro do Apocalipse quando vemos que:
“os reinos do mundo vêm a ser o reino de nosso Senhor e do seu Cristo” (Apocalipse 11:15).
O profeta era primariamente aquele que falava “em nome de Deus” ou por Deus; era o pregador da justiça que empregava a predição, ora como garantia ou prova de sua missão divina, ora como exibição do resultado natural da rebelião contra as justas leis divinas, sendo a predição apocalíptica a coisa principal. Já nos apocalípticos típicos há muito pouco lugar para a exortação.
O escopo dos apocalípticos é incomensuravelmente maior que o da profecia. Esta dizia respeito ao passado de maneira incidental, e se devotava mais ao presente e ao futuro, dado que estes dois últimos provêm do passado. Por outro lado, os apocalípticos tinham dentro de seu escopo coisas passadas e presentes, ainda que seu maior interesse fosse sempre o futuro. Enquanto o homem comum olhava para a superfície, o escritor dos apocalípticos tentava aprofundar a superfície, esgravatar até o fundo a essência das coisas e achar o seu real significado. Com esse objetivo, os apocalípticos frequentemente esboçavam todo o curso dos negócios mundiais no propósito de apresentar o triunfo completo e final do bem sobre o mal. [04] Os apocalípticos foram o primeiro tipo de literatura a abranger a grande ideia de que toda a história é uma unidade – uma unidade que se segue como corolário natural da unidade de Deus.
A profecia e os apocalípticos diferem essencialmente quanto aos seus conceitos sobre escatologia. A escatologia dos profetas trata quase que exclusivamente do destino de Israel como uma nação, e do destino das nações gentílicas, mas contém mui poucas mensagens de luz e conforto para o indivíduo no além-túmulo. No dizer de Charles, [05] devemos aos escritos apocalípticos todo o avanço para além desse conceito. Essa grande autoridade apresenta as seguintes contribuições permanentes dos apocalípticos: (1) a doutrina duma feliz vida futura nos veio do apocalíptico, e não do profético; (2) a doutrina dum novo céu e duma nova terra também deriva dos apocalípticos; (3) a doutrina do catastrófico fim do mundo vem igualmente dos apocalípticos.
Resulta desse estudo observar prontamente que a profecia e os apocalípticos são parentes, ainda que no seu conteúdo mostrem pertencer a diferentes tipos de pensamento e de literatura.


2) Diferença da profecia na forma. Na forma literária empregada notamos diferenças bem fortes entre a profecia e os apocalípticos. É fato que ambos empregam a visão; mas na profecia, no mais restrito significado do termo, tais visões, em regra, são mais implícitas ou subentendidas do que descritas. Ainda que Isaías chame de “visões” muitas das suas profecias, é fato que só uma vez ele descreve o que viu. É no capítulo 6 que ele descreve o que viu, e vemos que aí não há matéria profética, de predição; o objetivo aí é a exortação. No caso dos apocalípticos, a visão é o veículo pelo qual se transmite a predição. Em Ezequiel há visões, mas apenas uma delas – a do “vale dos ossos secos” (cap. 37) é de predição. Nas profecia são sempre naturais os símbolos usados; no apocalíptico, são largamente arbitrários ou discricionários. Um bom contraste podemos ver entre Daniel e Ezequiel. A visão de Ezequiel – a dos osso secos – naturalmente lembra a morte. O leitor sente que o processo pelo qual os ossos são reavivados constitui o curso natural que teria lugar num acontecimento como aquele. Mas o que se diz em Daniel com referência ao bode não encontra razão natural para as mudanças que então aparecem, sendo, por isso, simbólicas. Os aspectos fantásticos, deslumbrantes, irreais ou terríveis da visão descrita nos apocalípticos são esculpidos em alto relevo pelo arrojo da narrativa. Isto, do ponto de vista da forma literária, constitui grande diferença entre a profecia e o apocalíptico. O apocalíptico tem forma e propósito destacadamente especiais, inteiramente seus.

[03] Ver Daniel 2:44.
[04] Veja R. H. Charles, Religious Development Between the Old and the New Testament (N. York, Henry Holt and Co., sem data).
[05] R. H. Charles, A Critical History of the Doctrine of a Future Life in Israel, in Judaism, and in Christianity (seg. Edic., Londres, adam e Charles Black, 1913), p. 178. Nas notas ao pé doutras páginas deste livro indicaremos esta obra apenas pelo título - “Eschatology”.

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