quarta-feira, 1 de abril de 2009

AMILENISMO: Parte 4.1 - DUAS PASSAGENS CONSIDERADAS DECISIVAS PELOS MILENARISTAS - Apocalipse 20

...continuação.

IMPORTANTE: O texto a seguir é de autoria de Robert B. Strimple, professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary.

Apocalipse 20:1-10

Obviamente, essa passagem, o único lugar na Bíblia em que aparece a referência aos “mil anos”, é uma das mais significativas para nossa discussão. George Ladd escreveu:
...até mesmo se o restante da Bíblia silenciasse completamente sobre esse assunto, esse fato não militaria contra a crença em um milênio, se a exegese do Apocalipse [revelação] o requeresse [...] Poderia ser que no Apocalipse os elementos da nova revelação fossem comunicados a João pelo Senhor, para efeitos de ocorrência de um interregno milenar.[37]
Muitos cristão concordam com Ladd aqui. Alguns reconhecem a si mesmos como “pré-milenaristas de um texto só”, com Apocalipse 20:1-10 como aquele texto no qual seu pré-milenarismo repousa.
Mas deveríamos corrigir um engano sério que a declaração de Ladd poderia causar. Alguém poderia pensar que os amilenaristas insistem que Apocalipse 20 não pode ser ensinado como um reino milenar terrestre após a vinda de Cristo, porque o restante das Escrituras emudece a esse respeito. Parece ser isso o que Ladd sugere, o que, porém, não é verdade. Os amilenaristas concordariam que se uma verdade é ensinada com inconfundível clareza na Bíblia, ela deve ser crida – mesmo que seja ensinada em um só versículo. Entretanto, o que precisa ficar claro é que os amilenaristas crêem que a Escritura não se cala simplesmente sobre esse ponto. Ela fala sobre o assunto e, assim fazendo, põe de parte um tal reino terrestre que se introduz entre a segunda vinda de Cristo e o juízo final, e o novo céu e a nova terra. Esse foi o ponto que frisamos na segunda seção deste ensaio, e essa é a insistência amilenarista de que a Escritura não se contradiz.
Os amilenaristas pretendem interpretar Apocalipse 20 de maneira consistente com o restante das Escrituras. Ladd insiste que essa é uma abordagem falsa: “A abordagem exegética deve sempre preceder a teológica [...] Ninguém pode aproximar-se das Escrituras com um sistema escatológico e ajustar os registros escriturísticos a ele”.[38] Ladd quer dizer que não deveríamos estudar Apocalipse 20 com certos preconceitos. Antes, deveríamos interpretar primeiramente o capítulo e então nos preocupar acerca de como ele se ajusta ao restante do ensino bíblico. Precisamos, certamente, concordar que essa é uma abordagem saudável de qualquer passagem bíblica. Fazemos, contudo, duas perguntas:

1) Os pré-milenaristas são fiéis a esse princípio em sua interpretação das Escrituras? Cremos que Benjamim Warfield estava correto em seu julgamento de que
Houve muito menos interpretação tendenciosa [interpretação parcial] de Apocalipse 20 no interesse de teoria preconcebida, do que houve interpretação tendenciosa do restante da Escritura no interesse de questões derivadas da má compreensão dessa obscura passagem.[39]
2) Será que esse é um princípio válido de interpretação bíblica, que porções menos claras e mais difíceis da Bíblia sejam interpretadas à luz das partes mais claras, a poesia à luz da prosa, o figurativo a luz do literal? Isso não é a mesma coisa que dizer que a interpretação pré-milenarista de Apocalipse 20 esteja perfeitamente correta e sem qualquer problema de exegese. Mas devemos questionar se devíamos estar dispostos a colocar de lado todo o NT, ou forçar interpretações artificiais com base em uma breve passagem em um apocalipse que admitidamente é altamente figurativo, rico em símbolos e, portanto, um tanto difícil.
Ladd conclui seu livro com esta declaração: “A pergunta básica permanece: O que requer a exegese de Apocalipse 20? Todas as outras considerações devem servir a essa passagem”.[40] Por certo que essa é uma declaração surpreendente! Devemos submeter todo o restante das Escrituras a Apocalipse 20, e empurrá-las, comprimi-las e ajustá-las? Entendo que essa seja uma falsa abordagem à interpretação da profecia bíblica. Como escreveu Archibald Hughes: “É um fundamento muito precário, em um livro de visões simbólicas, apanhar tal frase – ‘mil anos’ – e fazer dela um alicerce sobre o qual levantar uma superestrutura de um completo sistema interpretativo”.[41]
Ao apresentar agora uma breve interpretação de Apocalipse 20:1-10, um esboço de sete tópicos pode ser útil.

1) Observe que nada há na passagem que forneça alguma sugestão que deva ser relacionada às profecias veterotestamentárias que falam de uma era vindoura de glória nacional para Israel (veja a primeira seção deste ensaio). Essas passagens relatam a herança da Canaã terrestre e a glória para Jerusalém terrestre. Não há nada sobre isso em Apocalipse 20. Antes, ele fala sobre um reino milenar enquanto as profecias do AT falam de um reino eterno. Então, à primeira vista, poderia parecer que a presente passagem e essas profecias do AT não estão falando do mesmo assunto. Finalmente, não há nada nessa passagem apocalíptica que evidencie um elo entre elas.
2) A ordem na qual as visões aparecem no livro do Apocalipse não é, necessariamente, a ordem de cumprimento. Parece que o final do capítulo 19 nos leva diretamente ao final da era, à segunda vinda de Cristo, à grande batalha final, ao julgamento da besta e do falso profeta. Isso não quer dizer que o capítulo 20 fale do que acontecerá em seguida. As visões ali retratadas podem levar-nos à primeira vinda de Cristo e ao começo da presente era evangélica.

Nesse caso, esse não seria um fenômeno único nesse livro. Talvez o exemplo mais claro de um retorno abrupto ao começo da igreja seja encontrado no capítulo 12. Em 11:18, lemos que chegou “o tempo de julgares os mortos”. Fomos levados ao final da era no encerramento do capítulo 11. Com o capítulo 12, porém, voltamos ao começo do período do NT, com uma visão figurativa do nascimento de Cristo e de sua ascensão ao trono de Deus. Se isso pode acontecer nos capítulos 11 e 12, não podemos excluir a possibilidade de que, nos capítulos 19 e 20, também somos levados em visão à segunda vinda de Cristo, e a seguir trazidos de volta à primeira vinda. Não devemos simplesmente supor que o capítulo 20 tenha de descrever eventos que acontecem depois dos acontecimentos descritos no capítulo 19.

3) Há duas visões em Apocalipse 20:1-10 unidas pela frase “mil anos”. Assim, podemos concluir que as duas são contemporâneas. Não obstante, elas são visões separadas. Os versículos 1-3 e 7-10 caminham juntos. Eles falam sobre Satanás: Satanás amarrado e Satanás liberto. Os versículos de 4 a 6 são um pouco parentéticos e nos dão uma visão distinta de almas, de tronos e de reinado. Entendemos que uma das visões se refere a certos eventos terrenos, e que a outra visão trata de uma porta aberta numa situação celestial.
4) Como devemos interpretar o símbolo de Satanás sendo “amarrado”? O capítulo 12 já falou de certa restrição ao dragão, Satanás, depois da ascensão de Cristo. Satanás não pode realizar seu propósito. Ele quis destruir a mulher e sua descendência, mas não conseguiu fazer isso. Ele é contido por Deus. Será que o capítulo 20 tem em vista outra fase de Satanás em que ele será reprimido, alguma coisa independente daquilo que foi escrito no capítulo 12? Ou será esse exemplo uma espécie de redeclaração em termos um pouco diferentes e de símbolos diversos que são característicos de Apocalipse? Talvez 20:1-3 esteja falando de outro aspecto da restrição colocada sobre Satanás, como conseqüência da obra redentiva de Cristo e de sua glorificação triunfante.
Devemos lembrar-nos do ensino escatológico do NT como um todo, que é apresentado em termos não de um, mas de dois grandes pontos culminantes: a primeira vinda de Cristo e a segunda vinda de Cristo. Com a segunda vinda de Cristo haverá plena e completa consumação. Mas já na primeira vinda de Cristo temos o que poderíamos chamar de consumação antecipatória. Temos a batalha decisiva e a grande vitória conquistada. Em sentido real, o reino de Deus já veio e Cristo já lidou de forma decisiva com Satanás.
É importante recordar como a obra de Cristo em sua primeira vinda é descrita no NT, em relação a Satanás. Em Mateus 12:28,29, nosso Senhor diz:
Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus.
Ou, como alguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali seus bens, sem antes amarrá-lo? Só então poderá roubar a casa dele.
Esse é um grande evento escatológico: O reino de Deus chegou! Para explicar esse evento, nosso Senhor nos conta uma breve parábola. Como alguém vai lançar mão das posses de um homem forte, posses que ele obteve, sem dúvida, por meios ilegais? O modo de fazer isso é primeiro amarrá-lo (o verbo grego traduzido aqui por “amarrar” pela NVI é o mesmo usado em Ap 20:2); e então lhe surrupiar os bens. Jesus propõe essa parábola para descrever claramente a missão que veio cumprir.
Em João 12:31, quando nosso Senhor fala do significado de sua morte vindoura, diz: “Chegou a hora de ser julgado o príncipe deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo”. O dia do juízo chegou e o príncipe deste mundo (Satanás) será expulso (o verbo grego empregado aqui é o mesmo de apocalipse 20.3, “lançar”, com acréscimo do prefixo “fora”). “Agora”, Jesus diz, por meio de sua obra expiatória, isso acontecerá (leia todo o contexto de Jo 12:20-33).
Em Colossenses 2:15, o apóstolo Paulo descreve de forma vívida a vitória de Cristo na cruz sobre os poderes demoníacos: “E, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez dele um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. Cristo desarmou as hostes satânicas. Que grande vitória!
Hebreus 2:14,15 fala de Cristo assumindo nossa humanidade “portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o diabo, e libertasse aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte”. Essa linguagem é incrivelmente poderosa, podemos pensar – o diabo destruído! (O verbo grego é o mesmo que Paulo utiliza em 1Coríntios 15:26 com referência a Cristo destruindo a morte, o último inimigo, na ressurreição.) Não é o NT que nos diz que “o diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a que possa devorar” (1Pe 5:8)? Sim, ele o faz; e o que Pedro está dizendo é verdade. Mas note o tipo de linguagem que o escritor de Hebreus usa para descrever a vitória de Cristo sobre Satanás na cruz, porquanto ele vê essa vitória como eternamente significativa.
Em 1João 3:8, lemos que “para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”. No contexto, João está dizendo que se você estiver fazendo as obras do diabo, então mostra estar do lado de um inimigo derrotado. Cristo é o vencedor. Se você é verdadeiramente de Cristo, não se ocupará das obras do diabo.
Em outras palavras, o NT enfatiza dois pontos culminantes na vitória de Cristo sobre Satanás: a vitória na cruz e a vitória em sua segunda vinda. Devemos perguntar então: Essa dupla estrutura culminante é preservada em Apocalipse 20:1-10? Ou será que temos aqui uma nova característica que requeira uma revisão significativa da perspectiva básica do NT? Estamos nós agora prestes a adotar uma perspectiva que vê três focos culminantes: 1) vitória na cruz e na ressurreição; 2) vitória na segunda vinda de Cristo e na inauguração de seu reinado milenar e 3) vitória final ao término do milênio?
Ao examinarmos a passagem, descobrimos boa razão para sugerir que Apocalipse 20 não apresenta tal modificação da consistente perspectiva neotestamentária. Antes, Apocalipse 20:1-10 é uma representação figurada da vitória de Cristo sobre Satanás em cada um dos dois pontos culminantes.
Na cruz, Satanás é aprisionado – mas não absolutamente. Apocalipse 20:2,3 não diz que Satanás está preso, e ponto final. Ele está cativo em um só aspecto, isto é, “impedido de enganar as nações [os gentios]”. A era da salvação para os gentios chegou. Antes do ministério de Cristo, Israel era a única nação chamada dentre todas as nações do mundo para conhecer as bênçãos de Deus e servi-lo. Havia exceções, naturalmente – aqueles que vieram a conhecer a graça de Deus, embora não fossem filhos de Abraão segundo a carne. Mas, essencialmente, todas as nações da terra estavam em escuridão, sob o engano de Satanás. Entretanto, louvado seja Deus! Cristo veio e realizou sua obra redentora. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre “todos os povos” (At 2:17), o que significa que o evangelho de Cristo é para todas as nações, e não apenas para o povo judeu. A era das missões mundiais havia começado, e a obra enganadora de Satanás, operada em grande escala por muitos séculos, chegara ao fim. O próprio Senhor ressurreto deu a seus apóstolos esta comissão (At 26:17,18):
Eu o livrarei do seu próprio povo e dos gentios, aos quais eu o envio para abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim.
Antes de deixar a referência ao aprisionamento de Satanás em Apocalipse 20, há um texto adicional digno de nota. Muitos cristãos acreditam sinceramente que dizer que Cristo aprisionou Satanás na cruz é incompatível com a presente atividade real de Satanás. Mas, considere o quadro apresentado em Judas 6 (v. 2Pe 2:4):
E quanto aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade, mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia.
O que significa isso? Será que significa que toda a linguagem de Paulo sobre a nossa luta contra os poderes demoníacos das trevas (Ef 6:11,12) é uma retórica muito adornada? Afinal de contas, os demônios estão em correntes. Não há luta real alguma para o cristão nessa vida, certo? Errado! A declaração de Judas não significa nada disso. Não significa que esses anjos decaídos não estejam ativos. Significa que eles estão operantes dentro dos limites da permissão divina, e que seu fim está traçado.
Então, poderíamos muito bem perguntar: Se Judas, por inspiração do Espírito, pôde descrever todos esses demoníacos seres como estando agora em correntes eternas, por que deveríamos interpretar que a prisão de Satanás como uma referência ao que é verdadeiro agora seja de alguma maneira incompatível com a atividade satânica atual? Essa é a linguagem bíblica, que não é mais contraditória em relação à atividade presente de Satanás do que Judas 6 é contraditório em relação à atividade presente de toda a hoste de anjos caídos.
5) Em Apocalipse 20:8, temos uma referência à “batalha”. O texto grego tem o artigo definido “o”, e é importante não deixar esse fato passar despercebido, porque lemos sobre “a batalha” em outros pontos do livro de Apocalipse. Em 16:14, por exemplo, lemos: “São espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos reis de todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus Todo-Poderoso”. E em 19:19: “Então vi a besta, os reis da Terra e os seus exércitos reunidos para guerrearem [no texto grego o nome com o artigo definido aparece aqui; literalmente, ‘a batalha’ contra aquele que está montado no cavalo e contra o seu exército]”.
Em 16:14, os reis são convocados para a batalha. Em 19:19, a besta e os reis da terra vêm para a batalha. Em 20:8, Satanás conduz sua hoste para a batalha. Parece claro que esse três textos não descrevem três batalhas, mas uma. O novo ponto revelado em 20:8 (porque o Apocalipse nunca se repete por mera repetição como algo novo é revelado a cada vez) é o que acontece a Satanás em resultado dessa batalha. O capítulo 19 registra o que sucederá com a besta e o falso profeta, como resultado de sua derrota nessa batalha. Aqui, em 20:10, aprendemos o que ocorrerá com Satanás. Os versículos interpostos entre 19:19 e 20:10 nos levam de volta a primeira vinda de Cristo, e a prisão de Satanás como resultado de sua obra redentora.
6) Chegamos agora à cena parentética dos versículos 4-6, acerca do reinado dos santos, em que o véu de separação entre céu e terra é afastado e nos é permitido dar uma rápida olhada nos santos de Deus reinando com Cristo. Observe que não há referência alguma nesses versículos, direta ou indiretamente, a coisas ou negócios terrestres. De fato, em termos de vocabulário, essa visão é muito semelhante às outras visões celestiais no Apocalipse.
Permitam-me explicar. Em 20:4, há uma referência às “almas” (psychai). Essa palavra pode ser usada no NT para referir-se simplesmente a “pessoas”. No texto grego de Atos 2:41, por exemplo, lemos que três mil psychai foram salvas no dia de Pentecostes. Nessa declaração, não há ênfase alguma no aspecto de “alma” como oposta a “corpo” do ser humano. Mas no contexto de Apocalipse 20:4, em que João vê “as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus”, parece que esse texto pretende apontar para um contraste entre alma e corpo.
Há aí também uma referência a tronos. Em todo o Apocalipse, o trono de Cristo e seu povo sempre estão no céu.[42] Em 3:21, é feita uma promessa especifica: “Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono”. Apocalipse 20:4 retrata o cumprimento dessa promessa bendita.
Os versículos 4-6 formam a visão do reinado dos cristãos com seu Salvador, após eles partirem desta vida e enquanto esperam a segunda vinda de Cristo, a ressurreição e a felicidade eterna. Os santos são descritos como mártires por seu Senhor. Talvez esse retrato represente todo o povo de Deus. Nas visões do Apocalipse “todos são santos ideais ou pecadores ideais”.[43] Note no versículo 5, os mártires são contrastados com “o restante dos mortos” – aqueles que conhecerão “a segunda morte”. Em outras palavras, eles são contrastados com “todos os descrentes”.
No versículo 5, lemos que “o restante dos mortos não voltou a viver até se completarem os mil anos”. A observação que João faz não é que eles então viverão. Antes, ele enfatiza que os descrentes não usufruirão a maravilhosa bênção de viver e reinar com Cristo durante os mil anos. Lembre-se do que dissemos antes, quando consideramos Romanos 11:25, sobre a força escatológica conclusiva do termo “até”. Recorde-se também do que falamos ao considerar 1Coríntios 15:22, sobre o rico significado salvífico da vida em Cristo, vida que é realmente vida. Como nosso Senhor nos disse em João 5:29, apenas “os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida [...] e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (grifo do autor).
É mencionado, em Apocalipse 20:6 e 14, que a única coisa que espera esse mortos após os mil anos é “a segunda morte”. Não é que João negue que eles serão ressuscitados corporalmente para enfrentar o juízo (v. 13). Mas ele nunca descreve os descrentes como “vivos” ou “ressurretos”. Seus nomes simplesmente não estão escritos “no livro da vida” (v. 15, grifo do autor). Muito embora possam estar diante do grande trono branco em juízo, eles são descritos como “mortos” (v. 12).
Em outras palavras, o quadro de João não retrata que os crentes vivem na segunda vinda de Cristo e os descrentes vivem no final do milênio. Os incrédulos verdadeiramente nunca vivem. Os crentes vivem e reinam com Cristo por mim anos. O restante dos mortos, diz João, não desfrutam essa maravilhosa bênção. Eles não vivem durante esses mil anos. O que eles experimentarão em vez disso? A segunda morte.
Nos versículos 5 e 6, João fala da “primeira ressurreição”. Essa frase implica claramente uma segunda ressurreição. Mas isso significa que, afinal, o pré-milenarismo está correto, que haverá duas ressurreições, a dos crentes na segunda vinda de Cristo e a dos mortos mil anos após? Não! A referência à primeira ressurreição implica uma segunda – uma segunda ressurreição para as mesmas pessoas! De forma semelhante, “a segunda morte” (v. 6) implica a primeira morte – mas também para as mesmas pessoas, os descrentes.
Poderíamos dizer que o crente em Cristo experimentará uma morte e duas ressurreições. A primeira ressurreição ocorre quando ele parte desta vida e é imediatamente conduzido à presença de Cristo para reinar com ele. A segunda ressurreição será corpórea na segunda vinda de Cristo, quando os crentes são apontados para o estado eterno (1Co 15:50). Os incrédulos, por contraste, experimentarão apenas uma ressurreição – e a ressurreição da condenação –, mas eles sofrerão duas mortes. A primeira morte é psicofísica, na terra. A segunda morte será eterna, em seguida ao julgamento.
O apóstolo João, porém, não fala que o crente conhecerá a morte! – ou que o incrédulo passará pela ressurreição. Como Meredith G. Kline observa:
Da mesma maneira que a ressurreição do injusto é paradoxalmente identificada como “a segunda morte”, assim a morte do cristão é paradoxalmente identificada como “a primeira ressurreição [...]” O que para os outros é a primeira morte, para o cristão é a verdadeira ressurreição.[44]
7) Apocalipse 20, então, apresenta um panorama da era evangélica, os propósitos de Deus na terra e a bênção de seu povo no céu, seguidos de uma vívida narrativa do juízo final e da consumação. Mas qual é o significado do número “mil”? Podemos supor quer o número é simbólico, pois os números são usados simbolicamente em todo o Apocalipse. Mas qual é o significado desse símbolo? É impossível ser dogmático sobre tal assunto, mas a sugestão de Geerhardus Vos é certamente interessante:
O simbolismo dos mil anos consiste no seguinte: contrasta o estado glorioso dos mártires com o breve tempo de tribulação passado na Terra, por um lado, e com a vida eterna da consumação do outro.[45]
A visão de João é determinada pelo Espírito para a edificação e o fortalecimento do povo de Deus de todas as épocas. Por isso os cristãos são encorajados a combaterem o bom combate (2Tm 4:7), tendo toda a garantia de que em Cristo eles vencerão o maligno para reinar com seu Salvador.
O povo de Deus em todos os tempos foi salvo “em esperança” (Rm 8:24). A esperança dos santos da antiga aliança foi orientada para a vinda do prometido Redentor divino. As riquezas do Messias e de sua obra redentiva lhes foram retratadas, de forma expressiva, em termos dos elementos centrais de sua experiência religiosa: a terra de Canaã, a cidade de Jerusalém, o trono de Davi, o templo e a própria nação de Israel.
Porque ele é Deus encarnado, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, em Jesus, as duas principais linhas da expectativa messiânica do Antigo Testamento convergem: 1) a promessa de que o próprio Deus viria e se revelaria como Senhor (por exemplo, a profecia de Isaías 40:3, sobre uma voz clamando no deserto para preparar “o caminho para o Senhor”, foi cumprida no ministério de João Batista preparando o caminho para Jesus [Mt 3:1-3]); 2) a promessa de que o Senhor enviaria seu Servo ungido. Em Jesus convergem as duas linhas da expectativa escatológica. Ele que é “Cristo do Senhor” (Lucas 2:26), é também, ao mesmo tempo, “Cristo, o Senhor” (Lucas 2:11).
Como aqueles sobre quem “tem chegado o fim dos tempos” (1Co 10:11), nós cristãos temos o inestimável privilégio de conhecer o cumprimento da esperança do AT. Por causa da obra concluída do crucificado e ressurreto Senhor Jesus Cristo e do ministério do Espírito Santo que ele derramou sobre a igreja no Pentecostes, experimentaremos todas as maravilhosas bênçãos da vida em união com Cristo.
Mas nós continuamos caminhando pela fé e vivendo em esperança. O dia da consumação ainda jaz adiante. A perfeição da bênção para o povo de Deus virá somente quando o próprio Cristo aparecer pela “segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam” (Hb 9:28). Aquela “manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2:13) dará início ao grand finale da história redentiva: a ressurreição dos crentes, a ressurreição dos descrentes, o julgamento de todos, os novos céus e a nova terra e a inauguração do reino final de Deus, o bendito estado eterno dos redimidos. Essa é “a bem-aventurada esperança” da igreja, e por essa esperança somos sustentados para servir ao nosso Deus em amor e alegria, através de toda tribulação, até que toda a nossa esperança seja cumprida no retorno de nosso Salvador.

Chegamos ao final da série de estudos sobre o milênio pelo ponto de vista amilenista, por Robert B. Strimple.

[37] Crucial questions, p. 181-2.
[38] Ibid., p. 135.
[39] Biblical doctrines, New York: Oxford, 1929, p. 643.
[40] Crucial questions, p. 183.
[41] A new heaven and a new earth, Philadelphia: Presbyterian and Reformad, 1958, p. 56.
[42] V. 1:4; 3:21; 4:5; 6:16; 7:9ss.; 8:3; 12:5; 14:3; 16:17; 19:4,5; 20:4,11; 21:5; 22:1,3.
[43] William John Dey, The message of the book of Revelation, Londres: Oxford Univ. Press, 1924, p. 10.
[44] The first resurrection, Westminster Theological Journal (Spring, 1975), p. 371.
[45] Eschatology, The international standard Bible encyclopedia, Chicago: Howard-Severance, 1915, p. 987.

7 comentários:

  1. Olá Mac,

    Parabéns pelos excelentes artigos. Queria perguntar como vc interpreta Ap.19:15 (irá governar as nações com vara de ferro). Já vi defensores amilenistas dizendo que isso ocorre hoje e não num futuro milênio. Isso porque a vara de ferro não se aplicaria ao estado eterno. Não vejo problema em ver Cristo reinando nesse momento. Ocorre que o texto fala de algo para o futuro (irá governar)e se é com vara de ferro não se aplicaria a eternidade. Como vc interpreta essa passagem?
    PS: Essa não é uma tentativa de refutar o amilenismo, mas uma dúvida sincera de alguém que está firmando posição.
    Abraço.

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  2. Meu blog é o seguinte:
    http://escatologia-hoje.blogspot.com/

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  3. Também tenho outra pergunta. Essa foi feita por um pastor chamado Jim Hamilton num debate escatológico. Ele disse o seguinte:

    "Revelation 12:9, “And the great dragon was thrown out, the ancient serpent, the one called the Devil and Satan, who deceives the whole world, he was thrown to the ground, and his angels were thrown out with him” (emphasis mine).

    Revelation 12:11 explains that Satan’s being cast out of heaven relates to the conquest that came by the blood of the Lamb, Christ’s death on the cross. Revelation 12:10 explains that “the one who accuses the brothers” is the one who has been cast out. It seems, then, that the result of Satan being “cast out” in Revelation 12:9 is that his accusations against believers are rejected because of the blood of the Lamb.

    Having been cast out, Satan’s time is short (Rev 12:12), and he uses that time to make war on the rest of the woman’s seed (i.e., believers) and to deceive the nations (13:3-8). Satan gives his authority to the beast (13:3), the beast exercises authority for forty-two months (13:5), “and authority was given it over every tribe and people and language and nation” (13:7). Satan’s deceptive power in the beast is so strong that it persuades everyone except the elect (13:8).

    Revelation 20:1-3 says that there will be a thousand year period in which he no longer deceives the nations."
    O que vc acha?

    Grande abraço!

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  4. Sobre Apocalipse 19, dá pra dividí-lo em duas partes.
    Do verso 1 ao 10 refere-se a vitória dos santos (no céu) no período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, culminando com as "bodas do Cordeiro" (v. 9).
    Depois, do v. 11 ao 21, refere-se a vitória de Cristo quando ele derrota seus inimigos, mas todo o capítulo compreendendo a atual dispensação.
    Outrossim, o verso 20 desse mesmo capítulo é um paralelo de Ap. 20:14, falo isso porque não creio que Ap. 20 seja uma sequência cronológica, ou seja, que sejam acontecimentos posteriores aos fatos de Ap. 19.
    Ap. 20 retorna ao começo da atual dispensação, e João o faz para nos dar mais informações em relação aos mesmos eventos ocorridos em Ap. 19 (paralelismo progressivo).
    Sobre o termo "reger com cetro (vara) de ferro", vemos que ele está inserido num contexto que refere-se claramente ao juízo do Senhor sobre as nações e o derramamento de Sua ira, e isso nós sabemos que acontecerá na segunda vinda, não num fantasioso futuro milênio terrestre.

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  5. Sobre Ap. 12, pra mim é muito claro que João está descrevendo, também, a dispensação atual, referindo-se ao poder da obra de Cristo sobre Satanás (dentre outras coisas) e que por causa dessa obra grandiosa ele (o Diabo) teve seu poder enfraquecido para que não mais pudesse enganar as nações (Ap. 20:3).
    A referência aos 1260 dias é uma simbologia referente a era atual.
    Não entendi muito bem o ponto do questionamento de Jim Hamilton. Provavelmente deve ser mais quando se aplica tais textos, como no caso do pré-milenismo, que crê num milênio futuro e que aplica Ap. 20:3 nesse mesmo milênio, ao contrário do amilenismo, que entende que esteja se referindo a era atual da igreja entre a primeira e segunda vinda de Cristo.

    Em Cristo, Mac.

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  6. Mac, tudo bem?

    Li suas respostas e vou acrescentar algo dito pelo Jim Hamilton. Ele perguntou ao Sam Storms o seguinte: Se os 42 meses de Ap 12 e 13 correspondem ao mesmo período de tempo de Ap 20:1-3, por que o mesmo livro iria retratar esse tempo de maneira tão contraditória? Num momento dizendo que Satanás está furioso e ai do que estão na terra e em outro momento dizendo que Satanás está preso e impedido de enganar as nações?

    Acho que a questão levantada é legítima, uma vez que ele está usando o mesmo livro que deveria ser mais harmônico. Acontece que é mais fácil pensar em prismas diferentes de uma mesma época que reinterpretar o restante das Escrituras (NT fortemente amilenista). Essa é uma questão que me incomoda até hoje, mas tenho que optar e o amilenismo me parece ser mais bíblico. Passagens claras ajudando a interpretar pasagens obscuras.

    Vou te perguntar uma coisa. Vou expor meu raciocínio e perguntar se há contradição nele, ok?

    Digamos que as 70 semanas de Daniel tenham sofrido uma interrupção como os dipensacionalistas afirmam. A última correspoderia à Grande Tribulação. Aqui não importa se serão 7 anos exatos, mas um período de tempo curto. Ao ler Ap 12, 13 e 14 aparentemente a tribulação estaria realmente dividida em dois momentos. A primeira metade Satanás atacando a Igreja no deserto e a segunda se utilizando da besta e do falso profeta. O período atual não corresponderia aos primeiros 3 anos e meio em que a Igreja está no deserto, mas ao tempo de aprisionamento de Satanás, apos sua soltura ocorre aquele ataque la no deserto e por não dar certo vem o anticristo e o falso profeta (segunda metade da tribulação).

    Possíveis vantegens desse ponto de vista:

    1. A última semana seria um tempo curto e não de dois mil anos.

    2. Não haveria choque entre a prisão de Satanás e seu tempo de fúria ao ser expulso do céu.

    3. Sua fúria coincidiria com sua libertação para novamente enganar as nações em Ap 20 ao final do milênio (da perspectiva amilenista).

    O que vc acha? É uma teoria contraditória?

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  7. Caro Edson,

    O comentário do Jim Hamilton não me espanta. Quanto mais eu estudo escatologia, mais sou convencido de que o Apocalipse, de fato, nos expõe uma mesma realidade de diferentes formas, e por isso gosto tanto do paralelismo progressivo de William Hendriksen.

    Agora, sobre a sua pergunta, sobretudo no ponto 1 que diz: “A última semana seria um tempo curto e não de dois mil anos.”

    Bom, na verdade, não conheço algum amilenista que crê que a última semana de Daniel 9:24-27 esteja se referindo a um longo período de tempo, nesse caso, a dispensação da igreja. Muito menos nós amilenistas não concordamos que essa passagem refere-se a um curto período de tempo relativo a grande tribulação. Eu creio sim, que a septuagésima semana de Dn 9 refere-se a obra de Cristo culminando na rejeição dos judeus com a grave conseqüência da destruição do templo em 70 d.C, e nada mais que isso.

    Com relação ao ponto 2, a questão está no caráter dessa prisão de Satanás. Como bom amilenista, creio que Satanás não está preso literalmente em um abismo com correntes literais como advogam os pré-milenistas, mas que a principal característica dessa prisão é para que ele não mais engane as nações (Ap 20:3). A expulsão dele do céu se dá por causa da obra expiatória e da vitória de Cristo na cruz, onde o Senhor expôs todo principado e potestade à derrota (Cl 2:15). Mateus 12:29 expressa bem essa verdade.

    Obviamente, o fato de Satanás estar preso (enfraquecido), não quer dizer que ele não possa estar furioso, muito pelo contrário. Então, dito isto, não há choque entre “tempo de fúria” e a “expulsão”.

    Sobre o ponto 3, penso que Satanás não vai estar mais furioso do que ele já está quando ele for solto. Eu creio sim que ele, no futuro, pouco antes da segunda vinda do nosso Senhor nos céus, será solto novamente (Ap 20:7) e que a diferença é que ele terá a oportunidade de “extravasar” toda a sua fúria, já que até então está amarrado (limitado) para usufruir de todo o seu “poderio”.

    O pré-milesnimo cria várias incoerências e paradoxos insolúveis em sua escatologia, e num outro momento estarei postando algo sobre essas discrepâncias.

    Em Cristo, Mac.

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