segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

AMILENISMO: Parte 2.4 - O reino de Davi

...continuação.

IMPORTANTE
: O texto a seguir é de autoria de Robert B. Strimple, professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary.


Com relação às promessas feitas a Davi, podemos observar primeiramente que Lucas apresenta a vinda de Jesus como o cumprimento dessas promessas (Lc 1.30-33):
Mas o anjo lhe disse: “Não tenha medo, Maria; você foi agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim”.
O reino do Filho maior de Davi deve ser um reino eterno, conforme prometido em 2Samuel 7.16 e Isaías 9.6. Assim como a promessa a Abraão de uma terra perpétua não pode ser cumprida nesta atual terra amaldiçoada pelo pecado, assim também a promessa de um trono eterno para Davi não pode ser cumprida em nenhum ser mortal.
Continue lendo Lucas e você ficará impressionado com as imagens usadas por Maria (v. 46-55) e Zacarias (v. 67-69) em seus louvores a Deus por sua obra redentora. V. p. ex., Lucas 1.52-55, 69-73:
Derrubou governadores dos seus tronos,
Mas exaltou os humildes.
Encheu de coisas boas os famintos,
Mas despediu de mãos vazias os ricos.
Ajudou a seu servo Israel,
Lembrando-se da sua misericórdia
para com Abraão e seus descendentes para sempre,
como disse aos nossos antepassados.
Ele promoveu poderosa salvação para nós,
na linhagem do seu servo Davi
(como falara pelos seus santos profetas, na antiguidade),
salvando-nos dos nossos inimigos
e da mão de todos os que nos odeiam –
para mostrar sua misericórdia aos nossos antepassados
e lembrar sua santa aliança,
o juramento que fez ao nosso pai Abraão...
Esse cântico soa como passagens dos Salmos ou de um dos profetas do Antigo Testamento. Porque Maria e Zacarias falaram desse modo? É porque (como o dispensacionalismo clássico explica) esse Messias veio com a intenção sincera de cumprir a aliança e o juramento feito a Abraão e a promessa dada a Davi; mas por causa da descrença do povo judeu, o reino oferecido teve de se adiado até o futuro milênio, quando o cumprimento das promessas a Abraão e Davi teve de ser adiado? É essa a explicação?
O restante da obra de dois volumes (Lucas-Atos) torna claro que essa não é a resposta. Maria e Zacarias falam como santos da antiga aliança, e essa é a linguagem inspirada pelo Espírito da antiga aliança. Eles são como os profetas anteriores a João Batista, e não poderíamos esperar que falassem na linguagem do apóstolo Paulo. Embora haja, de fato, semelhanças entre as imagens dos apóstolos posteriores, há uma inconfundível coloração veterotestamentária nos cânticos de Lucas 1. Que eloqüente testemunho à autenticidade do registro de Lucas! E que luz valiosa é derramada sobre a natureza das imagens proféticas do AT.

Voltando ao livro de Atos, como o apóstolo Pedro vê o cumprimento da promessa de 2Samuel 7.16? Pela ressurreição de Jesus (veja At 2.30,31):
Mas ele [Davi] era um profeta e sabia que Deus lhe prometera sob juramento que colocaria um dos seus descendentes em seu trono.
Prevendo isso, falou da ressurreição de Cristo...
Esse apoteótico evento redentivo também é visto como cumprimento dos Salmos 2.7; 16.10; e de Isaías 55.3 (veja At 13.32-37):
Nós lhes anunciamos as boas novas; o que Deus prometeu a nossos antepassados ele cumpriu para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no salmo segundo:
‘Tu és meu filho;
eu hoje te gerei’.
O fato que Deus o ressuscitou dos mortos, para que nunca entrasse em decomposição, é declarado nestas palavras:
‘Eu lhes dou as santas e fiéis bênçãos prometidas a Davi’.
Assim ele diz noutra passagem:
‘Não permitirás que o teu Santo sofra decomposição’.
Novamente, esta é a interpretação inspirada da profecia do AT feita pelos apóstolos do NT, que é o guia autorizado de nossa interpretação. Muito instrutivo a esse respeito é o registro do Concílio de Jerusalém, feito em Atos 15. Lemos aí o relatório missionário que Paulo e Barnabé fizeram sobre sua viagem à Fenícia e à Samaria, enquanto falavam perante o conselho de apóstolos e anciãos em Jerusalém (15.3,4) – um surpreendente número de gentios convertidos por meio de sua pregação. Pedro, então, lembra à assembléia que em seu ministério também tem visto tanto gentios quanto judeus salvos “pela fé [...] pela graça do nosso Senhor Jesus” (15.9-11). Quando Tiago fala (15.13-21), ele aponta para a profecia de Amós 9.11,12 como a chave para entender esse surpreendente fenômeno de graça.
Para ver o agudo contraste entre os princípios interpretativos de Tiago e os do clássico pré-milenarismo dispensacionalista, bastante útil é ler a nota das páginas 1120-1121 da
Scofield reference Bible,[9] com o discurso de Tiago. A fim de manter seu princípio do “literal sempre que possível”, Scofield precisa entender as palavras de Amós como uma profecia acerca do que ocorrerá depois do fim da “presente ou eclesiástica era”, (caracterizada por Pedro como a retirada de um povo dentre os gentios para o nome de Deus), quando Deus “restabelecer o governo de Davi sobre Israel” e, afinal, cumprir a aliança davídica com os gentios que nesse tempo também buscarão a Deus.
Mas a interpretação “literal” dessa passagem não pode estar correta. Se essa tivesse sido a força da invocação de Amós por parte de Tiago, isso teria feito o argumento do apóstolo irrelevante para o assunto em discussão. Nessa interpretação, Tiago declarou ao conselho que eles não deveriam ficar confusos ou perturbados pelo relatório de Simão Pedro acerca dos gentios trazidos a Deus, porque os profetas haviam predito que era exatamente isso o que aconteceria
durante o milênio. Um ancião presente nesse concílio poderia muito bem ter respondido: “Está tudo muito certo, Tiago, mas o que estamos buscando é uma compreensão escriturística do que está acontecendo na igreja justamente agora”.
E é exatamente isso que Tiago diz a eles e a nós pelo Espírito. Ele vê Amós 9.11,12 sendo cumprido justamente ante seus olhos, por assim dizer. As palavras introdutórias “depois disso” devem ser entendidas a partir da perspectiva do profeta; no contexto de Amós, a referência é em relação ao que Deus realizará pela graça redentora após o tempo do exílio. Em sua nota, Scofield chama o discurso de Tiago “dispensacionalmente [...] a passagem mais importante do NT”. Do ponto de vista da percepção a nós provida pela interpretação correta da profecia veterotestamentária, essa passagem realmente é muito importante, pois observa bem o que está acontecendo aqui:
A aplicação profética de Tiago encontra o cumprimento de sua primeira parte (a reconstrução do Tabernáculo de Davi) na ressurreição e glorificação de Cristo, o Filho de Davi, e na constituição de seus discípulos como o novo Israel, e o cumprimento de sua segunda parte na presença de crentes gentios bem como judeus na igreja.[10]
Podemos dizer que Tiago, o irmão de nosso Senhor e principal ancião de igreja de Jerusalém, estava “espiritualizando” a profecia do AT de um modo perigoso ou mórbido? Claro que não. Então como pode tal acusação ser dirigida aos amilenaristas, quando eles buscam compreender a profecia do AT, precisamente da mesma maneira cristocêntrica adotada por Tiago?

continua...


[9]
Primeira edição em português pela Sociedade Bíblica do Brasil em 1983 – São Paulo.
[10] F. F. Bruce, Commentary on the book of Acts, NICNT, Grand Rapids: Eerdmans, 1981, p. 310.

Um comentário:

  1. A explicação sobre a reconstrução do tabernaculo de Davi se aplicar a ressurreição de Cristo não deveria estar na parte 2.5 "O templo de Deus"?

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...