sexta-feira, 10 de junho de 2011

Avaliando o Pré-milenismo - Parte 3

...continuação.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Cornelis P. Venema, Deão e professor de Estudos Doutrinários no Seminário Reformado Mid-America em Dyer, Indiana. É Doutor pelo Seminário Teológico de Princeton e pastor da Igreja Reformada Cristã.

Israel e a Igreja.

Freqüentemente temos observado que um princípio básico do pré-milenismo dispensacionalista é a estrita separação entre o povo terreno de Deus, Israel, e Seu povo celestial, a igreja. Poderia até ser alegado que esta separação entre Israel e a igreja é um princípio básico do dispensacionalismo clássico - em distinção do dispensacionalismo "progressivo". A partir desta separação entre um povo terreno e um espiritual decorre outra característica básica do dispensacionalismo, que iremos considerar em uma seção posterior deste capítulo: sua insistência em uma leitura literal da Bíblia. De fato isto resulta da insistência do dispensacionalismo clássico que as promessas do Senhor ao Seu povo terreno, Israel, devem ser interpretadas de uma forma estritamente literal ao invés de figurada ou espiritual. Além disso, entre as sete dispensações distintas, a mais importante do ponto de vista do futuro são aquelas que refletem essa separação entre Israel e a igreja. As primeiras dispensações, da consciência humana e do governo, por exemplo, são apenas de interesse passageiro no esquema geral do dispensacionalismo.

1 - A distinção entre Israel e a Igreja.

Antes de submeter a distinção dispensacionalista entre Israel e a igreja à avalição bíblica, um breve resumo das características básicas desta separação é necessária. As notas a seguir, retiradas originalmente da Bíblia de Estudo Scofield, articulam claramente tais características:
(1) "Eu farei de ti uma grande nação." tem cumprimento na forma de três vertentes: (a) Em uma descendência natural - "como o pó da terra" (Gn 13:16, Jo 8:37), a saber, o povo Hebreu. (b) Em uma descendência espiritual - "olha para o céu... assim será a tua descendência" (Jo 8:39, Rm 4:16,17; 9:7,8, Gl 3:6,7,29), a saber, todos os homens de fé, seja judeu ou gentio. (c) Cumprida também através de Ismael (Gn 17,18-20) [01]

O cristão é a descendência espiritual de Abraão (Gn 15:5,6, Gl 3:29), e participa das bênçãos espirituais da aliança abraâmica (Gn 15:18, nota); mas Israel como uma nação sempre terá o seu próprio lugar, e ainda terá sua maior exaltação como povo terreno de Deus. [02]
Como essas notas indicam, o dispensacionalismo clássico considera dois propósitos de Deus na história, correspondendo a estes dois povos distintos, um terreno e outro celestial. A relação dispensacional de Deus com esse dois povos tem duas finalidades completamente distintas, a saber: a salvação de um povo terreno que é consumada em um reino eterno sobre a nova terra, e a salvação de um povo celestial que é consumada em um reino eterno nos novos céus. Assim, tal como Deus tem dois povos distintos e dois programas de salvação na história, Ele também tem em mente dois destinos eternos completamente distintos. A linha de separação que mantém Israel e a igreja distantes na história continuará no estado final, em que a natureza terrena e celeste desses povos corresponderá às bênçãos que são distintamente terrena e celeste.
A separação entre Israel e a igreja corresponde à ênfase dispensacionalista sobre uma compreensão literal das profecias do Antigo Testamento, por um lado, e o contraste entre a presente "era da igreja" e a vinda da "era do reino" - ou o milênio - por outro. As profecias veterotestamentárias, na medida em que são dirigidas ao povo terreno de Deus, Israel, devem ser entendidas em seu sentido literal ou terrestre. A promessa de posse da terra, por exemplo, deve significar a terra da Canaã terrena. A promessa de um templo restaurado deve se referir ao templo de Jerusalém.
A era atual da igreja, que representa o relacionamento de Deus com seu povo celestial, deve ser considerada como um período de "parêntesis" da história, um período entre as relações anteriores de Deus e sua relação com Israel que em breve será reiniciada na era milenial por vir. Durante a era atual do relacionamento de Deus com a igreja, suas relações com Israel foram suspensas temporariamente, mas quando o tempo do cumprimento chegar (precedido pelo arrebatamento), as promessas proféticas serão cumpridas. Porque estas foram dirigidas para Israel, elas são silenciosas na maior parte, respeitando o relacionamento de Deus com a igreja, que é composta pelo mistério que Deus mantinha ocultado até a era do Evangelho.
Embora isso represente apenas um breve esboço da clássica separação dispensacionalista entre Israel e a igreja, ela servirá de base para considerarmos a questão, que, segundo o ensinamento bíblico, é o "Israel de Deus"? Será que a Bíblia realmente desenha essa linha de separação entre estes dois povos de Deus, Israel e a igreja? Para responder a essa questão, teremos que considerar vários aspectos do ensino bíblico sobre o Israel de Deus.

2 - A Igreja não é um parêntesis.

A compreensão bíblica da igreja, entretanto, não se enquadra com este entendimento dela como um parêntesis. No Novo Testamento, a igreja é geralmente entendida como sendo a continuidade direta do povo de Deus do Antigo Testamento. As imagens usadas no A.T. para descrever o povo de Deus são usadas no N.T. para descrever a igreja. A palavra neotestamentária para igreja, ekklesia, é o equivalente comum da palavra veterotestamentária, qahal, significando a "assembléia" ou "reunião" do povo de Israel. [03] A igreja do N.T. é também chamada de "templo" de Deus (1ª Co 3:16-17, Ef 2:21-22), evocando a imagem e o simbolismo do A.T., em que o templo era considerado o lugar especial da habitação do Senhor no meio do seu povo. Assim como o templo era o lugar onde a comunhão entre o Senhor e seu povo era provida (através de sacrifícios e ordenanças) e experimentada, assim a igreja é o lugar da habitação do Senhor pelo seu Espírito Santo. Conseqüentemente, a igreja também pode ser identificada com Jesuralém, a cidade de Deus, que é de cima e que compreende os crentes de toda tribo, língua e nação. Em Hebreus 12:22,23, isto é expressamente atestado:
"Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos;
A universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados."
Ao invés de ser considerada como uma interrupção no relacionamento de Deus com seu povo, Israel, a igreja do N.T. é considerada o cumprimento das promessas do Senhor ao povo de Deus da antiga aliança. A grande promessa da aliança feita a Abraão foi que em sua semente todas as famílias e povos seriam abençoados (Gn 12:3; 22:18). Ao longo do A.T., o trato do Senhor com Israel nunca é isolado de Suas promessas de redenção para todas as nações e povos da terra. O tema da salvação das nações está entrelaçado por todo o tecido do Antigo Testamento, não somente nas disposições das leis de inclusão de estrangeiros na comunidade de Israel, [04] mas também na explícita linguagem dos Salmos e nos profetas.
Os Salmos contêm referências em toda a parte do propósito do Senhor de reunir as nações para a comunhão do Seu povo. O Salmo 2 inclui um juramento do Senhor de conceder às nações o Seu Filho amado. O Salmo 22 fala de como "todos os limites da terra se lembrarão, e se converterão ao SENHOR; e todas as famílias das nações adorarão perante a tua face" (v. 27). O Salmo 67 convida todas as nações à se juntar a Israel em louvor a Deus. E estas não são observações isoladas; Elas ecoam e ecoam por todos os Salmos. Além disso, nos profetas, muitas promessas falam do dia quando as nações dos gentios irão se juntar com o povo de Israel no serviço e louvor ao Senhor (por exemplo, Isaías 45:22; 49:6, Malaquias 1:11).
Uma simples compreensão do povo de Deus do Antigo e Novo Testamento reconhece a igreja como sendo o Seu povo da nova aliança, em direta comunhão com Israel, Seu povo da antiga aliança. Embora a salvação seja historicamente primeiro para os judeus, e em segundo lugar, também aos gentios (Rm 1:16), o Senhor está reunindo para si na história um único povo, composto por judeus e gentios igualmente. Contudo, para que não pareça ser uma conclusão prematura baseada em uma análise inadequada do material bíblico, voltamo-nos agora para outras considerações bíblicas.

3 - O reino não está adiado.

Intimamente ligada a idéia de que a igreja é um parêntese na história está a alegação dispensacionalista de que o relacionamento de Deus com Israel foi adiado durante a era atual. Isto é ensinado porque os judeus não receberam Jesus como seu Rei e Messias prometido, adiando assim o estabelecimento do reino, a manifestação terrena da salvação de Deus para os judeus, até que termine a dispensação do Evangelho aos gentios. Esta idéia de um adiamento do reino tem vários problemas.
Primeiro, ela sugere que a igreja é um adendo no plano e propósitos de Deus. Esta visão da história parece ensinar que Cristo foi frustrado em seu propósito original para o estabelecimento do reinado Davídico para Israel, e foi obrigado a adaptar o programa divino de redenção de acordo com a situação. Contudo, tal sugestão não é consistente nem com a apresentação bíblica da soberania de Deus sobre a história, nem com o conceito bíblico de igreja.
A Grande Comissão de Cristo aos Seus discípulos (Mt 28:16-20) preenche Sua declaração anterior em relação a igreja que Ele construirá, contra a qual as portas do Hades não prevalecerão (Mt 16:18,19). Longe de ser um adendo ou projeto provisório, nessas passagens a igreja é descrita como o interesse e realização central do Senhor Jesus Cristo na história. Na verdade, esta igreja que está sendo reunida de todas as nações pode ser entendida somente como um cumprimento das promessas de Deus feitas ao Filho de Davi, a quem as nações seriam dadas como Sua legítima herança (ver Sl 2:8). Conseqüentemente, quando o Apóstolo Paulo descreve a igreja de Jesus Cristo, ele fala dela como "a plenitude daquele que cumpre tudo em todos" (Ef 1:22,23), através da qual a multiforme sabedoria de Deus está sendo feita conhecida "segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor" (Ef 3:8-11). Nenhuma dessas descrições da igreja sugere que ela é menos do que o foco central e instrumento através do qual o propósito final de redenção Deus na história está sendo realizado.
Segundo, a idéia dispensacionalista de um adiamento do reino baseia-se em uma leitura errônea dos relatos do Evangelho da pregação de Cristo a respeito do reino. Embora seja verdade que muitos judeus rejeitaram Jesus como o Messias, não deve ser esquecido que o próprio Jesus nasceu do povo judeu - e Ele é um membro, na verdade o mais importante, da igreja! - e que muitos judeus responderam a Ele em fé e arrependimento, apesar de Sua proclamação de que a natureza deste reino não estava de acordo com as expectativas de muitas pessoas.
Não devemos esquecer, por exemplo, que os doze discípulos, o núcleo da igreja do Novo Testamento, eram todos judeus. No relato de Atos do crescimento da igreja primitiva, o padrão de "primeiro o judeu, depois o gentio" está claramente em evidência. Embora alguns entre a comunidade judaica cristã tenham resistido a inclusão de gentios, está claro que a obra de Cristo através de Seus apóstolos foi direcionada para a salvação de judeus e gentios igualmente. Cristo e Seus apóstolos pregaram o Evangelho do reino (por exemplo, Atos 20:28), um reino que Cristo proclamou estar "entre eles" (Mt 12:28) e que seria construído através da pregação do Evangelho (Mt 16:19). A idéia de que Cristo ofereceu o reino aos judeus apenas para que eles o rejeitassem é contrariada por estas realidades e pelo próprio testemunho de Cristo, de que eles não tinham entendido o Seu reino (Jo 18:36). Se Cristo tivesse oferecido o reino aos judeus apenas para que eles o rejeitassem, poderíamos esperar que isto tivesse incluído entre as acusações feitas contra Ele em Seu julgamento. Entretanto, os relatos dos evangelhos não fazem nenhuma menção de qualquer acusação contra Cristo, ou seja, que Ele tinha se oferecido para estabelecer o reino entre eles somente para ter sua oferta recusada.
Terceiro, a idéia de um adiamento do reino implica que o sofrimento e a crucificação de Cristo podiam ter sido adiados, até mesmo tornando-se desnecessários, se os judeus tivessem recebido-O como seu rei terreno. Isto significa que o ensinamento do próprio Cristo, que Ele deveria sofrer para só então entrar em sua glória, teria sido invalidado (Lucas 24:26). Isso também significa que o testemunho uniforme dos evangelhos do Novo Testamento e as epístolas, de que Cristo veio para ser obediente à vontade do Pai, incluindo Sua morte na cruz, ficaria comprometida. Embora os dispensacionalistas possam tentar argumentar que a morte de Cristo teria sido necessária, mesmo se a oferta do reino fosse aceita por Seus conterrâneos, parece difícil imaginar como poderia ter ocorrido. Certamente o estabelecimento do Seu reino terreno teria atenuado qualquer necessidade de suportar o sofrimento e morte em favor do Seu povo. [05]
A mera sugestão de que a morte de Cristo foi o resultado da incredulidade do povo judeu contradiz uma série de ensinamentos do Novo Testamento. Nos relatos dos evangelhos do sofrimento e morte de Cristo, os evangelistas freqüentemente observam que tudo isso aconteceu para cumprir o que foi escrito nas Escrituras (por exemplo, Mt 16:23; 26:24,45,56). Depois de Sua ressurreição dentre os mortos, Cristo foi compelido a repreender os homens no caminho para Emaús, porque eles não acreditaram em tudo que os profetas haviam falado. Eles não entendiam que era necessário que Cristo sofresse essas coisas e entrasse na Sua glória (Lucas 24:25,26). O Evangelho de João freqüentemente testifica que Jesus Cristo, o Verbo encarnado, veio ao mundo com o expresso propósito de fazer a vontade de Seu Pai, a saber, para ser o "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (cf. 1:29; 2:4; 6:38; 7:6; 10:10-18; 12:27; 13:1-3; 17).
A mesma ênfase sobre a morte de Cristo como o propósito para a Sua vinda é encontrada no livro de Atos e nas epístolas do Novo Testamento. No seu sermão do Pentecostes, o Apóstolo Pedro lembra que Jesus foi "entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus" (Atos 2:23). Quando o Apóstolo Paulo sintetiza seu Evangelho, fala de como "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras... e que ressuscitou ao terceiro dia de acordo com as Escrituras". O escritor aos Hebreus descreve de forma extensa a maneira como em que a vinda, sacerdócio e sacrifício de Cristo são o cumprimento dos tipos e sombras da antiga aliança. Cristo veio, ele escreve, "para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo." (2:17). Em uma passagem marcante, o escritor também fala de Deus levantando Jesus dos mortos "pelo sangue da aliança eterna (13:20). Nada disso contribui com o ponto de vista de que a morte de Cristo foi ocasionada primariamente pela recusa do povo judeu em reconhecê-lO com seu rei terreno.
E quarto, a idéia de que o reino foi adiado não corresponde com a insistência do Novo Testamento de que Cristo é agora Rei e Senhor sobre tudo. Nos relatos neotestamentários da morte, ressurreição e ascensão de Jesus, é evidente que Ele foi instalado como Rei à direita do Pai. [06] Ele exerce como Mediador um governo sobre todas as coisas por causa da igreja. Este governo real de Cristo, por outro lado, cumpre as promessas que foram feitas ao Seu pai, Davi, quanto as nações como sua herança. Ao anúncio do anjo Gabriel do nascimento de Cristo, foi declarado que "o Senhor Deus lhe dará [a criança nascida de Maria] o trono de Davi, seu pai" (Lucas 1:32).
Quando Cristo ordenou aos discípulos para ir e fazer discípulos de todas as nações, ele declarou, "é-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28:18). Pedro, em seu sermão de Pentecostes, afirmou que com a ressurreição de Jesus dos mortos, "toda a casa de Israel" reconheceu que "Deus o fez Senhor e Cristo" (Atos 2:33-36). Cristo é o Rei Davídico a quem as nações serão dadas como sua legítima herança (ver Atos 4:24-26). Ou, como o Apóstolo Paulo descreve o Senhor, Ele foi "declarado Filho de Deus em poder [...] pela ressurreição dos mortos" (Rm 1:4). Cristo tem agora toda a autoridade, poder e domínio (Ef 1:20-23; Fl 2:9-11). Portanto, Ele deve reinar "até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés (1ª Co 15:25).
À luz destas e de outras passagens que descrevem o atual reinado de Jesus Cristo, o Filho de Davi, parece errado distinguir entre a presente era da igreja e um reino futuro. Apesar da forma atual de administração do reino de Cristo não ser terrena ou física no sentido dispensacionalista desses termos, não há como escapar do ensino bíblico de que Cristo agora reina sobre a terra através de seu Espírito e Palavra, manifestando o Seu governo real primariamente através da Sua igreja, reunindo todas as tribos e povos do mundo. O conceito bíblico do reino de Cristo é ferido gravemente quando o dispensacionalismo relega-o para um período futuro, no qual o relacionamento de Deus é dirigido estritamente ao Israel étnico.

4 - Deus tem apenas um propósito de salvação para Seu povo.

A razão básica pela qual o dispensacionalismo erroneamente fala da igreja como um parêntese na história e do adiamente do reino, é que ele falha em perceber que Deus tem apenas um propósito de salvação para Seu povo, tanto na antiga como na nova aliança. Contrariamente à visão dispensacionalista, o Israel de Deus da antiga aliança é um povo em continuidade direta com o povo de Deus, a igreja de Jesus Cristo, da nova aliança. Israel e a igreja são maneiras diferentes de se referir a somente um povo de Deus. Colocando em poucas palavras: Israel é a igreja, e a igreja é Israel. Isto pode ser ilustrado de várias formas no Novo Testamento.
Em 1ª Pedro 2:9,10, o apóstolo dá uma declaração resumida sobre a igreja do Novo Testamento. Escrevendo aos crentes de igrejas espalhadas por toda a Ásia Menor, Pedro define a igreja da nova aliança em termos elaborados a partir das descrições da antiga aliança do povo de Israel:
"Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;
Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia." [07]
O que é tão notável sobre esta descrição da igreja é que ela identifica-a com a exata terminologia usada no Antigo Testamento para descrever o povo de Israel com quem o Senhor fêz a aliança. A melhor leitura dessa linguagem leva, literalmente, a significar que a igreja da nova aliança é completamente uma com a igreja da antiga aliança. O Senhor não tem dois povos diferentes, duas nações santas, dois sacerdócios reais, duas raças escolhidas - ele tem apenas um, a igreja de Jesus Cristo.
Similarmente, em Romanos 9-11, o Apóstolo Paulo revela o propósito de Deus de redenção na salvação dos gentios e, posteriormente, de todo o Israel (Rm 11:25), de forma que torna absolutamente claro que o povo de Deus é somente um, não dois. [08] Dispensacionalistas argumentam que a salvação de todo o Israel em Romanos 11:25 refere-se à futura conversão nacional de Israel e sua restauração à terra da Palestina. Esta salvação ocorrerá no contexto da retomada das relações de Deus com Seu povo terreno, Israel. [09] O grande problema com esta leitura do argumento de Paulo em Romanos 9-11 é que o argumento depende da inter-relação íntima entre o Israel eleito e os gentios eleitos no propósito de Deus da redenção.
O principal impulso do argumento desses capítulos é que a incredulidade de muitos do povo de Israel tem sido o propósito de Deus como ocasião para a conversão da "plenitude dos gentios". Esta conversão da plenitude dos gentios, entretanto, está por sua vez sob a bênção de Deus para provocar ciúme a Israel e levar a salvação de "todo o Israel". Nenhuma menção é feita quanto à restauração da nação de Israel como uma entidade racial para a terra da Palestina. Tampouco é dito algo sobre o estabelecimento de uma forma terrena do reino Davídico. Pelo contrário, a salvação de todo o povo de Deus, judeus e gentios igualmente, é descrita em termos de eles pertencerem à única oliveira, a igreja de Jesus Cristo. Todos os que são salvos o são pela fé em Cristo Jesus e são incorporados na comunhão da igreja. Esta passagem milita nos termos mais fortes possíveis contra a idéia da existência de duas oliveiras distintas ou dois propósitos diferentes de salvação, um atual para os gentios e um futuro para os judeus.
Assim, no relato do crescimento da igreja no livro de Atos, os primeiros membros da igreja eram predominantemente, embora não exclusivamente, judeus. De fato, inicialmente houve resistência considerável na incorporação de crentes gentios na comunhão da igreja. Isto é particularmente impressionante, então, quando lemos o relato da pregação de Paulo na sinagoga (note bem!) em Antioquia. Em sua pregação, Paulo informa que as "santas e fiéis bênçãos de Davi" serão cumpridas através da proclamação do Evangelho do perdão dos pecados em Jesus Cristo. Neste sermão, o apóstolo declara que Jesus é o prometido Salvador e Rei Davídico através de quem as bênçãos prometidas aos pais estão sendo realizadas agora na comunidade dos que crêem. Nenhuma identificação mais clara poderia ser imaginada dos propósitos de Deus com Israel através de Davi e seu Filho, e seus propósitos com a igreja através de Jesus Cristo. As palavras desse sermão falam por si:
"E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus;
Como também está escrito no salmo segundo: Meu filho és tu, hoje te gerei.
E que o ressuscitaria dentre os mortos, para nunca mais tornar à corrupção, disse-o assim: As santas e fiéis bênçãos de Davi vos darei." (Atos 13:32-34). [10]
Nesses aspectos, assim como nos anteriormente mencionados, é evidente que o propósito de Deus na história da redenção é reunir o povo, todos de quem são os descendentes espirituais de Abraão (Gl 3:28-29), o pai de todos os crentes. O Senhor tem apenas um povo, não dois. De fato, é Seu objetivo juntar todos os povos na mais perfeita unidade (Ef 2:14), não deixá-los para sempre separados um do outro, como Israel e a igreja.

5 - Quem pertence ao "Israel de Deus" (Gl 6:16)?

Em adição à força cumulativa dos pontos anteriores contra a visão dispensacionalista de uma separação entre Israel e a igreja, um texto, por si só, refuta suficientemente esta posição: ele é Gálatas 6:15,16. Vamos concluir esta parte da nossa avaliação do dispensacionalismo com uma consideração sobre este texto.
Estes versos estão no final da Epístola aos Gálatas, e baseiam-se em muitas das ênfases previamente estabelecidas. O Apóstolo Paulo faz esta vasta e solene declaração:
"Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura.
E a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus."
Em Gálatas, está claro que Paulo está enfaticamente rejeitando a idéia de que louva a Deus qualquer um que é obediente à lei, particularmente a lei que prescreve a circuncisão como um sinal da aliança. Ele se opõe ao falso evangelho dos judaizantes que estavam ensinando que, para que uma pessoa seja aceita por Deus, para ser justificada ou declarada inocente diante dEle, tinha de se submeter às exigências da lei, especialmente as estipulações quanto a circuncisão. Contra este falso evangelho, o apóstolo apresenta o Evangelho da salvação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo, um evangelho que é igualmente válido para judeus e gentios. Ele sintetiza seu argumento com a formulação, "de nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova criação."
Tendo afirmado este princípio governante, no entanto, Paulo prossegue pronunciando uma bênção sobre "aqueles que andam conforme esta regra": "paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus." A linguagem usada nesta bênção é surpreendente. A bênção de Deus repousa sobre aqueles e somente aqueles que seguem esta regra ou cânon específico. [11] Por outro lado, aqueles que não a seguem ou não a reconhecem não podem esperar receber a paz e a misericórdia de Deus.
Mas o que é ainda mais notável para o nosso propósito, é a identificação que Paulo faz com igreja, compreendendo judeus e gentios igualmente, como o Israel de Deus. O Israel de Deus neste texto refere-se à igreja como aquela que honra esta regra ou cânon, não fazendo distinção, na medida em que a justificação diante de Deus está em questão, sobre a base da circuncisão ou incircuncisão. Paulo apresente aqui uma regra para todo o povo de Deus, a igreja constituída de judeus e gentios, que parece entrar em conflito com qualquer separação entre Israel como um povo terreno e a igreja como um povo celestial. Tal separação torna a questão da circuncisão e incircuncisão um princípio fundamental de distinção entre aqueles que são de Israel e aqueles que não são.
Agora, é possível argumentar que quando o apóstolo fala nesse texto de "paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus", ele está realmente distinguindo a igreja gentílica ("eles") da comunidade de crentes judeus ("o Israel de Deus"). De fato, isso foi proposto pelos autores dispensacionalistas. [12] Todavia, o problema com esta sugestão é claro: ela exclui os crentes judeus de "todos os que andam conforme esta regra", uma exclusão que seria contraditória e auto-destrutiva. Se a palavra "e" aqui tem um sentido de "e também", como os dispensacionalistas sustentam, Paulo estaria pronunciando uma bênção não somente sobre aqueles que andam conforme esta regra, mas também sobre outros, crentes judeus, que não podem segui-la. O apóstolo estaria, portanto, negando a própria regra ou cânon que tinha afirmado anteriormente. Crentes judeus estariam isentos dessa regra, tornando-a nula e vazia como regra de fé e prática entre todo o povo de Deus. Talvez por essa razão, a Nova Versão Internacional traduz esses vesos como se segue:
"De nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova criação.
Paz e misericórdia estejam sobre todos os que andam conforme essa regra, e também [ou 'mesmo'] sobre o Israel de Deus."
Aqui a NVI segue uma longa tradição de intérpretes, incluindo Calvino, que entendem a conexão, "e", como equivalente a "mesmo" ou "isto é". [13]
O sentido desse texto é que o apóstolo estende paz e misericórdia para aqueles que andam conforme esta regra, de que na igreja de Jesus Cristo a circuncisão e incircuncisão nada valem, na medida em que a nossa posição diante de Deus está em questão. Ele pronuncia esta bênção "sobre todos os que andam conforme essa regra, e também [ou 'mesmo'] sobre o Israel de Deus". Assim, ele responde à pergunta - quem pertence ao "Israel de Deus"? - ao declarar enfaticamente que o Israel de Deus inclui todos os crentes, judeus e gentios, que aceitam e vivem pelo único princípio que conta diante de Deus, que é o de ser uma nova criação.
Em resumo, não há outra maneira mais clara de dizer que não são mais permitidas na igreja distinções ilegítimas entre judeus e gentios, circuncisos ou incircuncisos. Não deveríamos nos surpreender, já que isto vem do mesmo apóstolo que lembrou a igreja em Éfeso que "ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio" (Ef 2:14). Pelo padrão do ensino apostólico, o dispensacionalismo parece cometer um grave erro em sua distinção entre Israel e igreja.

continua...

Traduzido por Mac.

Veja também este artigo original em inglês: http://www.the-highway.com/premil3_Venema.html

[01] Bíblia de Estudo Scofield (1909), nota sobre Gênesis 15:18.
[02] Ibid., nota sobre Romanos 11:1. A Nova Bíblia de Estudo Scofield mantém a segunda dessas notas, mas revê a primeira. A versão revista, no entanto, não altera fundamentalmente a insistência dispensacionalista básica de que esses dois povos devem ser mantidos separados.
[03] A interpretação da Septuaginta (LXX) deste termo hebraico para "assembléia" de Israel é comumente a palavra ekklesia (Ex 12:6, Nm 14:5, Dt 5:22, Js 8:35).
[04] Talvez este seja o local para observar como Mateus, quando escreveu a genealogia de Jesus Cristo, parece ter incluído deliberadamente os nomes dos gentios cuja incorporação à família de Davi (e de Deus) serve como um lembrete de que o propósito salvífico de Deus nunca é fixado exclusivamente sobre Israel como uma entidade racial ou nacional (Mateus 1:1-17).
[05] Para uma defesa dispensacionalista contra esta acusação, ver Charles Ryrie, Dispensacionalismo Hoje (Chicago: Moody, 1965), p. 161-8. Ryrie apela às declarações de autores dispensacionalistas que afimam a necessidade da crucifixão de Cristo para a salvação de judeus e gentios igualmente. Ele também observa que a linguagem do adiamento confere credibilidade a essa crítica do dispensacionalismo. No entanto, ele não fornece um esclarecimento adequado de como a necessidade da cruz pode ser explicada em pressupostos dispensacionalistas sobre a distinção radical entre Israel e a igreja, ou entre o reino e a era da igreja.
[06] Ver a Nova Bíblia de Estudo Scofield, notas sobre 2º Samuel 7:16 e Apocalipse 3:21, para uma representação da negação dispensacionalista de que Cristo está atualmente assentado sobre o trono de Seu pai, Davi.
[07] Somente nestes dois versículos, o apóstolo menciona explicitamente as seguintes passagens do A.T.: Isaías 43:21, Êxodo 19:6, Oséias 1:10; 2:23.
[08] Para um tratamento mais completo desta passagem, ver minha discussão anterior sobre o Capítulo 5.
[09] Ver a Nova Bíblia de Estudo Scofield, notas sobre Romanos 11:1 e 11:26.
[10] É interessante observar como a unidade do povo de Deus é expressa "sem rodeios" por nosso Senhor em sua resposta à pergunta: "Senhor, são poucos os que se salvam?" (Lucas 13:23). Jesus conclui com a confiante declaração de que "virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus." Esta descrição do crescimento do reino usa a imagem de uma sala de banquete e de uma mesa, na qual reúne uma grande multidão de judeus ("Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus", v. 28) e gentios ("do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul"), todos os quais estão reclinados na mesma mesa no mesmo reino.
[11] A palavra usada aqui para "regra" é a palavra grega, kanon (ou cânon). Tem o sentido de uma norma obrigatória e absolutamente autoritativa, ou princípio de fé e prática.
[12] Por exemplo, John F. Walvoord, O Reino Milenar (Findlay, Ohio: Dunham, 1958), p. 170.
[13] Neste exemplo, a NASB, versão que tenho utilizado, pode ser passível de incompreensão, pois ela simplesmente traduz a conexão (grego: kai) como "e". O contexto deixa claro, no entanto, que esta conexão tem aqui o sentido de "mesmo" ou "isto é", um de seus usos normais no Novo Testamento e na língua grega. A NVI não é a única que faz esta conexão ter sentido. Também podemos ver isso, por exemplo, na Versão Padrão Revisada (RSV), na Bíblia de Jerusalém e na Nova Bíblia Inglesa (NEB).

21 comentários:

  1. Olá Mac

    A questão importante é se aqueles que crêem em Israel como um povo espiritualmente relevante tiraram essa idéia da própria cachola, ou de uma leitura absolutamente não preconceituosa da Bíblia. Então vou citar o texto do NT que é mais explicito sobre isso, na carta aos romanos
    E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades. E esta será a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados. Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.

    Pensemos na leitura que uma pessoa fizesse desse texto de forma absolutamente não preconceituosa. A compreensão mais natural deste texto incluiria as seguintes afirmações

    1. O povo de Israel é eleito.
    2. Essa eleição está ligada aos seus patriarcas, e de alguma forma isto tem relação com o amor de Deus pelos israelitas
    3. Essa eleição é coletiva, o contexto força a entender assim.
    4. Essa eleição é valida independentemente da posição dessas pessoas em relação ao evangelho, é valida mesmo para aqueles que se opõem ao evangelho.
    5. Essa eleição continua valida por serem os dons e a vocação de Deus sem arrependimento.
    6. Dentro do contexto dessa eleição, está prevista uma Aliança de perdão de Deus com esse povo.
    7. Essa ultima afirmação explica o motivo de outra afirmação anterior, que prevê que todo Israel será salvo.

    Um leitor curioso, que procurar na Bíblia pelos motivos dessa eleição, seguira a dica da sua ligação com os patriarcas. Estudando sobre estes, não encontrara nenhuma outra base para essa eleição, a não ser as promessas de Deus a tais patriarcas.

    Essa interpretação não advém de qualquer idéia preconcebida, pelo contrario, só fugirá dela quem, tendo formado uma teologia anterior dentro da qual essas afirmações pareçam estranhas, resolver interpretar de outra forma. Na verdade, há dezenas de outros textos no NT, e milhares no AT, que parecem implicar em tais coisas, citei esse apenas por ser o mais explicito e mais completo. É um texto didático, uma explicação lógica e bem organizada.

    Se essa interpretação choca se com a teologia de alguém, talvez devesse tal pessoa questionar se sua teologia é falsa, ou se é imprecisa, ou sendo sua teologia de uma forma geral correta, não interpreta erradamente alguns textos, ou se não esta tirando falsas conclusões de premissas verdadeiras.

    Tal interpretação não vem do dispensassionalismo, e eu sou prova disso, pois tendo descrido da visão geral do dispensassionalismo, e adotado uma visão bem mais continua da graça e ação de Deus, não posso descrer da minha interpretação de Romanos 11, sem assassinar a lógica e a gramática.

    Tal interpretação implica inescapavelmente no pré-milenismo? Não sei, e é difícil para mim saber, pois sou pré-milenista não apenas por causa dela, embora também por causa dela. Certamente essa interpretação favorece ao pré-milenismo, pois este reconhece a continuidade da vocação de Israel.

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  2. Graça e paz Renato

    Bom te ver por aqui novamente grande irmão.

    Pois é mano. Não tenho muito do que discordar nos sete pontos esboçados por você. No geral, concordo com todos eles, e particularmente penso que isso não é um problema para quem crê que “todo o Israel” de Rm 11:26 refere-se à totalidade dos salvos, incluindo judeus e gentios.

    Um ponto que, no meu entender, fortalece essa visão, é a verdade de que só existe uma oliveira. Alguns galhos são quebrados dela, e outros são enxertados nela, mas só uma existe. Sendo assim, todo o que é enxertado na única oliveira, faz parte dela, torna-se um com ela. Ou seja, assim como no AT os gentios prosélitos faziam parte da nação israelita, também no NT os gentios são um com os judeus na Oliveira, formando assim “todo o Israel de Deus”.
    Fato é que os gentios só são enxertados na oliveira pela obra de Cristo - pregação do evangelho -, mas também não é diferente com os judeus. Os judeus estão sob a eleição de Deus? Sim, conforme você demonstrou com propriedade, mas eles não são eleitos apenas porque são descendentes físicos de Abraão, mas pela fé, pois o próprio Abraão é eleito pela fé (Rm 4:12-16, Rm 9:6-8, Gl 3:7,8, Gl 6:15).

    “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.” Gl 3:16

    Renato, seu eu dissesse que estou lendo o texto sem pressupostos, eu estaria mentindo. Mas nesse caso, ninguém está isento, e todos são suspeitos. De qualquer forma, aos meus olhos, tal conclusão é clara – a de que “todo o Israel” refere-se a totalidade dos salvos, judeus e gentios –, mesmo eu concordando com os seus pontos.
    Alguns dizem que a igreja é o Israel “espiritual” de Deus, mas tal conceito – que distingui a Igreja de Israel - é estranho às Escrituras.

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  3. Graça e Paz, Mac

    Não vejo possibilidade de "eleito", no contexto, se referir à eleitos para a fé em Cristo. Eleitos, mas inimigos quanto ao evangelho é contraditório, se for entendido assim. Ainda mais se verificarmos que no contexto do capítulo, "eles" significa a nação inteira de Israel, em oposição a "vós", isto é, os crentes em Jesus

    "Escolhidos" sempre foi referido em relação a Israel desde a Torah, e não significava o conjunto dos crentes. Os profetas frequentemente falavam da nação como escolhida, ao mesmo tempo que diziam que era uma nação rebelde. No sentido que sempre foi aplicado a Israel, o termo "eleitos" não é contraditório com "inimigos". Logo, concluo que é esse o sentido.

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  4. Graça e paz, Renato.

    Mesmo no antigo testamento, o gentio que se convertia - e cria em Deus - deve ser tomado como eleito também (a despeito de sua nacionalidade) passando então a fazer parte da comunidade/nação de Israel.
    Por essas e outras, pela obra de Cristo, Paulo (e outros autores) ampliam o conceito de "escolhidos" no NT, de forma a abranger judeus e gentios igualmente.
    Ex: Melquisedeque, Jetro, Raabe, Rute e os ninivitas

    Quando ao termo "inimigos" do vs. 28a, Paulo está se referindo aos judeus, e não aos gentios (parafraseando: os judeus são inimigos dos gentios por causa do evangelho), o que não exclui a eleição deles - dos judeus que verdadeiramente crêem - por causa da fidelidade de Deus para com a promessa feita com os "pais".

    No final das contas, continuo com o pensamento de que Paulo realmente fala aqui de uma salvação não na esfera étnica, sobretudo se olharmos no contexto anterior (cap 10, ex., o v. 12).
    Ainda, como Hendriksen diz:

    "O texto – Romanos 11:26a – não diz, “e, ENTÃO, todo o Israel será salvo”, como se o Senhor tratasse primeiro com os gentios e, quando ele terminasse com estes, começasse a pensar mais uma vez nos judeus. O texto diz: “e, ASSIM, todo o Israel será salvo”. O significado da palavra assim deve derivar-se do contexto.

    Então, pelo que entendi da sua consideração, concordamos no último ponto dela.

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  5. Mac
    Discordo de você quanto ao significado de Israel no texto, mas não foi sobre isso que falei. Vamos ao cerne do meu ponto.
    “Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais.”
    O sujeito da oração “são inimigos por causa de vós” é o mesmo de “mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais.” Se o sujeito é o mesmo, o leitor é levado a entender que são o mesmo grupo, a gramática conduz a isso. E ambas as orações estão no presente, inimigos e eleitos ao mesmo tempo. Não haveria modo mais direto de Paulo dizer isso. Diria até que ele quis causar essa estranheza, tomou dois conceitos que os leitores iriam naturalmente considerar contraditórios, e fez questão de tornar sua contradição mais evidente, juntando os no mesmo período.

    É estranho, é contraditório a primeira vista, até hoje me lembro do meu primeiro contato com este texto, quando eu era criança, e de como me pareceu estranho. E certamente não fui a única pessoa a estranhar, conheço outras pessoas que acharam extremamente estranho. Se a eleição não se refere a fé em Cristo, a contradição desaparece.

    Deus lhe abençoe sempre.

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  6. Renato,

    Primeiro, preciso lhe pedir desculpa pela demora em te responder.
    Parte dessa demora foi esquecimento, outra parte foram minhas ocupações, e outra foi pesquisar por uma resposta satisfatória.

    Bem, voltando à questão, quanto a parte gramatical, concordo com você.
    Os termos "são inimigos" e "amados" referen-se aos judeus, já o "vós" aos gentios.
    O fato de Paulo dizer que "são amados por causa dos pais" testifica o fato de que Deus não havia esquecido a aliança que havia feito no passado.
    Agora, honestamente, até agora não sei porque esse verso vai contra o meu entendimento de que Israel de Deus refere-se aos eleitos de todas as nações.

    Agora, se entendi bem, você afirmou que a tal eleição não se refere a fé em Cristo. Mas, no fundo, o texto está abordando, em um plano mais amplo, a questão da salvação.
    Ora, pode tal eleição ser feita por causa dos pais, de modo que desconsideremos totalmente Cristo nessa história?

    Abraço.

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  7. Olá Mac

    Talvez eu não me tenha feito entender bem. Vejamos o que a Bíblia mostra da eleição (escolha) de Israel, e vejamos como essa eleição é algo totalmente diferente da eleição para a salvação.

    A eleição coletiva de Israel tem como finalidade concretização dos planos de Deus na Terra. Ela não implica em salvação pessoal. Por razão desta eleição, Deus agiu, mesmo através de homens que possivelmente não encontraram a salvação pessoal. O relato bíblico mostra Deus agindo poderosamente mesmo através de homens como Saul, Joab e seus irmãos, e muitas vezes, do exército inteiro de Israel, embora sempre houvesse no meio do povo, tantos os santos como os impios. Essa eleição coletiva para o cumprimento do plano de Deus nunca foi função da eleição pessoal. Sempre houve no meio do povo os salvos e não salvos, como em qualquer povo.

    É essa eleição coletiva que eu afirmo que não cessou. Creio haver evidências bíblicas muito fortes a respeito disso. Essa eleição coletiva para cumprimento de propósitos de Deus deriva da aliança feita com os pais. Ela é afirmada constantemente na Bíblia, e jamais foi revogada.

    Era com base nessa eleição coletiva que Paulo buscava primeiro pregar aos judeus, pois se estes se convertessem, cumpririam totalmente sua missão, evangelizando os gentios. Esta era a intenção de Paulo, que queria não só a salvação dos judeus, mas que esses fossem juntamente com ele, pregar o evangelho aos gentios. Se essa vocação coletiva tivesse sido finalizada com a vinda do Messias, Paulo não consideraria a vocação deles ainda em andamento, nem procuraria converter primeiro os judeus, embora ele mesmo fosse apóstolo para os gentios.

    Por isso Jesus pregava também só entre os descendentes de Israel (embora alguns gentios que estivessem lá tenho se convertido). Para que Israel não só se convertesse, mas se tornasse uma nação missionária. Em grande parte isso aconteceu, uma minoria bastante expressiva se converteu, até mesmo muitos do sacerdotes, e um número não despresível dos fariseus, inclusive o próprio Paulo, e realmente se tornaram missionários.

    Os propósitos de Deus, que se cumpriram parcialmente em Israel, ainda permanecem. Afinal, a vocação de Israel não foi extinta, nem pode ser enquanto houver esta terra e este universo atuais.

    Até mesmo com sua própria existencia, os judeus são testemunhas do Deus de Israel, pois comprovam aos ímpios (para salvação e condenação) que a história bíblica é verdadeira. Até os textos do Talmude que tentam desqualificar Yeshua como o Messias fornecem evidências a favor Dele, sendo usados por apologetas cristãos.

    Se mesmo em grande parte rebelde, o povo judeu, em conjunto, com sua história e sua cultura, é testemunha da salvação que há no Messias, que será então quando a maior parte deles for obediente a fé?

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  8. Fala Renato,

    Que há diferença entre eleição para salvação e eleição para Israel enquanto nação, creio assim como você. Entendi perfeitamente o seu ponto.
    O que creio é que por causa dessa eleição enquanto nação é que Deus resgata um remanescente - e não mais do que isso - (v. 5), por causa da promessa feita aos pais (v. 28b), mas que destes não podemos concluir que se trata de uma restauração da nação de Israel, nem que o "todo o Israel" (v. 26) se refira a Israel enquanto nação.

    De fato, a eleição de Israel enquanto nação não só não foi revogada, como foi cumprida (principalmente na pessoa de Cristo), e também afirmo que a Bíblia está repleta de referências sobre isso. Você entende que o fato de os judeus terem rejeitado a Cristo faz com que a missão deles enquanto nação não foi finalizada. Ora, não só foi finalizada como se transformou em algo maior. É como se Israel fosse a lagarta e a Igreja a borboleta. O animal é o mesmo, mas o segundo é a plenitude do primeiro (qualitativamente e quantitativamente). A Igreja tem agora o papel que antes era restrito a Israel somente, a saber, alcançar as nações.
    Os propósitos de Deus, que se cumpriram parcialmente em Israel, ainda permanecem? Sim, são cumpridos no Israel de Deus, naqueles que são herdeiros da promessa e filhos de Abraão pela fé, e não pelo sangue ou nacionalidade.

    Não estamos falando de salvação? Ora, os vs. 26b e 27 não falam do Cristo que veio para salvar e limpar os pecados? Durante todo o capítulo Paulo fala do endurecimento dos judeus para a salvação dos gentios. Ainda, os versos 6 e 7 estão falando claramente de salvação, e mais claramente de que Israel (A NAÇÃO) não a alcançou, mas apenas os eleitos.
    Como Sam Storms diz, "a falha em observar a conexão entre o v. 28 e a descrição precedente da salvação de todo o Israel nos vs. 26-27 incorre neste erro." ... "Os 'dons' e 'vocação' de Deus (v. 29), portanto, não são privilégios teocráticos não-salvíficos dado aos judeus étnicos, independente da sua relação com o Messias."

    Grande irmão, temos opiniões diametralmente opostas sobre o assunto, mas estou aprendendo muito com suas colocações. Aliás, posso dizer que você está sendo instrumento nas mãos de Deus pra minha edificação.
    Só quis deixar registrado :)

    Abraço.

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  9. Boa noite irmão

    Creio que talvez tenha havido uma confusão aqui. A minha interpretação sobre quem é Israel no verso 26 não deriva apenas do verso 28. É a impressão dada por todo o capítulo. Toda a seqüencia da argumentação de todos os versos anteriores me leva a isso. Se não fosse por outro motivo, o leitor é naturalmente levado a entender Israel, significando nação, por ser o verso 26 conseqüência do verso 25, onde claramente é esse o significado de Israel. Mudar o sentido da palavra de um verso para o seguinte, dentro da mesma argumentação seria tornar o texto muito menos claro. E este certamente é um texto bem montado, pensado para ser claro, não confuso. Quando um bom escritor muda o sentido de uma palavra, de uma linha para a seguinte, normalmente o fará com a "cumplicidade" do leitor, fazendo um jogo que esteja razoavelmente evidente.

    Indo para frente, vejamos também a seqüência do texto do verso 26 ao 28. A própria afirmação “todo o Israel será salvo” é apresentada como um cumprimento da profecia da vinda de um libertador que desviará de Jacó as impiedades. Não me lembro de nenhum texto do NT em que Jacó tenha o significado de “todos os que crentes”. Novamente, as próprias palavras mantêm na mente do leitor a idéia do povo judeu, pois Jacó era o nome de nascimento, dado pelos seus pais, a lembrança de suas raízes históricas, ao contrário de Israel, o nome dado por Deus, lembrança de sua fé. Mas para que a profecia tenha ligação com a afirmação sobre Israel, Israel tem de ser Jacó.

    O verso 27 é simplesmente a seqüência do verso 26, “eles” tem de significar Jacó. No verso 28, eles é a nação, evidentemente. Mas o pronome não aparece, o sujeito é oculto e, pela proximidade, o leitor liga esse “eles” oculto ao pronome da oração anterior.

    A interpretação de que o Israel do verso 26 “fura” toda a seqüencia parece-me estranha. Apresente o texto a um leitor competente, que não tenha familiaridade nenhuma com as doutrinas cristãs sobre esse assunto, peça para ele analisar o sentido do texto, e veja o que acontece.

    Continua...

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  10. ...continua

    Note que se Israel significa o conjunto de todos os salvos, então “...todo o Israel será salvo” é uma tautologia. Paulo não precisaria argumentar nem citar textos. Não precisaria de nada para afirmar a tautologia, e dela não tiraria nada.

    É bom conversar com você. Até breve.

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  11. Mac

    A Pretinha é minha esposa. Ficou ativado o endereço dela por engano, mas o comentário é meu.

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  12. Renato,

    Quando vi escrito "pretinha", achei que mais alguém tinha se juntado ao debate, hehe.
    Sem problemas.

    Mas, voltando ao assunto...

    ... A mudança de sentido de um termo - ou frase - é totalmente justificável e não se limita a apenas dois ou três versos, mas a todo o escopo da epístola aos Romanos.

    Vejamos:
    Por exemplo, em Rm 9:6 é atribuído a Israel dois sentidos diferentes, e isso acontece na mesma frase.
    No caso do verso 26 temos uma modificação do termo "Israel" pela inclusão de "todos".
    Temos um caso parecido em Rm 4:13-16. Quando Paulo se refere apenas à descendência étnica de Abraão ele usa "descendência/posteridade", e quando quer expandir a referência incluindo a verdadeira descendência espiritual ele usa "toda a descendência/posteridade".
    Então, é bem provável que isso aconteça também em Rm 11:26, e podemos ver isso novamente no v. 32 onde "todos" é empregado novamente com uma conotação universal.
    "Todos" freqüentemente possui esse significado nos contextos onde há uma relação de judeus e gentios. Que "todos" provavelmente carrega essa conotação em Romanos 11:26 pode ser demonstrado a partir de duas considerações: o contexto trata da questão judeu-gentio, e "todos" é, sem dúvida, usado com este significado apenas seis versos mais tarde, em um verso que serve claramente como um sumário conclusivo (v. 32).

    Ainda, "todo o Israel" como significando apenas judeus descaracteriza o termo "mistério" do qual Paulo faz uso no v. 25. Ora, não seria nenhum "mistério" saber que Deus, pela promessa feita aos pais, iria salvar judeus uma vez que isso já era esperado. Agora, a revelação de que "todo o Israel" deve ser salvo pela inclusão dos gentios é definitivamente algo mais apropriado a ser denominado como mistério. Podemos encontrar algumas nítidas semelhanças com o texto de Ef 3:4-6.

    Em toda a carta aos Romanos podemos encontrar Paulo refutando a má compreensão dos judeus - de que praticamente todos os israelitas seriam salvos -, com a redefinição e ampliação de vários termos.

    Quanto a parte b do v. 26, deixe-me dar uma outra opção (tradução minha).

    "Por este testemunho de Isaías, o apóstolo não quer confirmar toda a sentença anterior, mas apenas uma cláusula - que os filhos de Abraão devem ser participantes da redenção.
    [...]
    Paulo, ao citar Isaías 59:20 não está usando toda a passagem, a saber, "E virá um Redentor a Sião e aos que em Jacó se converterem da transgressão, diz o SENHOR."
    [...]
    Embora nestas palavras se encontrem a promessa de libertação para o povo espiritual de Deus, ao qual pertence também os gentios, pelo fato de os judeus serem os primogênitos, é necessário que a profecia se cumpra especialmente neles. Para que as Escrituras chame todo o povo de Deus de israelitas, deve ser atribuída à preeminência àquela nação, a quem Deus havia preferido de todas as nações.
    Então, tendo em conta a antiga aliança, ele diz expressamente que virá um redentor de Sião, e acrescente que aqueles que se arrependem em Jacó serão resgatados. Com estas palavras, Deus reivindica para si mesmo uma parte da semente, para que Sua redenção possa ser eficaz em sua nação eleita e especial.
    Paulo altera a expressão usada originalmente pelo profeta para chamar a atenção da nação apóstata para a reconciliação com Cristo, para que não perecessem todos."
    "

    continua...

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  13. ...continuação.

    Ainda, no v. 26, Calvino comenta:

    "Eu estendo a palavra Israel como sendo todo o povo de Deus, de acordo com este significado: 'Quando os gentios entrarem, os judeus também retornarão de sua deserção para a obediência da fé; e assim deve ser concluída a salvação de todo o Israel de Deus, que deve ser reunido a partir de ambos; e ainda de tal forma que os judeus devem obter o primeiro lugar, como sendo o primogênito da família de Deus'.
    Esta interpretação parece-me a mais adequada, porque Paulo pretende expor aqui a conclusão do reino de Cristo, que de modo algum será confinado aos judeus, mas incluirá o mundo inteiro."


    Então, o fato de que na mesma sentença o autor está usando um termo que designa a salvação de judeus e gentios - "todo o Israel" -, e que em seguida faz referência de uma profecia do A.T., só fortalece a primeira parte.

    Você diz que uma leitura natural não leva a essa compreensão, mas afirmo que o leitor está sendo preparado para tal desde os primeiros capítulos da epístola.
    Renato, se Romanos 11 fosse tão fácil assim como você afirma, não estaríamos discutindo sobre o assunto, hehe. Aliás, toda a argumentação que Paulo constrói na epístola, com redefinições de termos e tudo o mais, indica que o assunto era motivo de não pouco debate entre eles. Se Paulo mostrasse a eles apenas o capítulo 11, tenho a leve impressão que aqueles leitores entenderiam "lhufas".
    Então, penso que o texto de Rm 11 não é do tipo que um leitor competente possa lê-lo sem considerar o contexto de toda a carta. Caso contrário, ele chegará a conclusões tipicamente milenaristas.
    Não há nada de tautologia aqui, mas sim uma questão de observar o todo.

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  14. Boa tarde, Mac

    Eu disse “Quando um bom escritor muda o sentido de uma palavra, de uma linha para a seguinte, normalmente o fará com a "CUMPLICIDADE" DO LEITOR, fazendo um jogo que esteja razoavelmente evidente.”

    Vejamos o exemplo que você citou:
    “Não que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas...”. O escritor não fez nada escondido do leitor. É inescapável que “os que são de Israel” e “Israelitas” tem de ter sentidos diferentes, a lógica ordena isso.

    Quanto ao uso da palavra todos/todo, é natural que ela seja usada em sentidos tanto em sentidos mais com em sentidos menos inclusivos. É natural que ele seja usada para mostrar o conjunto total dos crentes. Não é só nesse assunto, mas em qualquer comunicação humana, que a palavra todos pode significar tanto um total parcial como um total absoluto, mas será sempre o contexto, a lógica e a gramática que indicarão a amplitude do “todos”. Nos outros exemplos que você citou, não há disputa nenhuma, é cristalino mesmo para o leitor pouco familiarizado que leia apenas aquele capítulo. O caso do capítulo 11 é muito diferente. Os escritores tendem a preservar o sentido de palavras principais, como substantivos (não é o caso de Israel e israelitas na Bíblia, cujo sentido pode variar) e pronomes pessoais. Mas palavras auxiliares, de uso bastante comum, tem o seu sentido normalmente indicado pelo contexto, pela lógica, pela gramática. Num artigo qualquer que você leia, onde a palavra ‘todos’ tenha o sentido mais inclusivo várias vezes, nem por isso você desacreditará num sentido mais restrito que apareça uma vez, se o contexto o indicar. E como você mesmo disse, o contexto do capítulo 11 tende a favorecer a visão pré-milenista.


    Continua....

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  15. ...contiua

    Se o capítulo tende a favorecer essa interpretação, será que o contexto todo do livro força uma interpretação diferente dessa? Julgo que o capítulo 11 não trata apenas de reforçar o que já estava sendo dito, mas de acrescentar algo novo. A mim parece haver uma inflexão nesse capítulo. Desde o início do livro, há uma enfase muito grande na salvação de todos os que creem, dando especial enfase à salvação dos gentios. O capítulo 11 faz uma inflexão muito grande, batendo seguidamente na tecla da salvação dos judeus, usando figuras de sentido crescente, que levam o leitor a esperar mais salvações entre os judeus. Desde o início do livro, o leitor não tinha visto nada assim, pelo menos com essa enfase. A apóstolo começa o capítulo falando do remanescente fiel. Isso não é novidade, todos os leitores sabem que não só Paulo, mas todos os apóstolos são judeus, todos os leitores sabem que há, no mínimo, várias dezenas de milhares de judeus crentes, só na cidade de Jerusalém, sem contar o resto da judéia, galiléia, e todas as cidades importantes do mundo romano. Não é segredo que muitos dos sacerdotes judeus são crentes e que até dentre os fariseus surgiram salvos. É fato público que até do próprio tribunal (o sínédrio) que condenou o Messias, não menos que três homens vieram à fé. Paulo não quer trazer informações novas, a citação do remanescente é apenas retórica, para preparar o que dirá a seguir.

    A seguir, Paulo cita a salvação dos judeus crentes, e a perdição ds judeus descrentes, e então usa quatro figuras crescentes seguidas, para falar da salvação dos judeus. Nesse capítulo, a salvação dos gentios é freqüentemente apresentada como um meio para a salvação dos judeus, e não como um fim em si mesmo. Não estou dizendo que os gentios se salvam para que os judeus se salvem, estou dizendo que um ponto importante desse capítulo é que uma coisa leva a outra. O próprio Paulo, tem esperança de que apenas o seu testemunho seja suficiente para levar alguns judeus à fé, mas no verso 12 apresenta o bom testemunho de salvação dos gentios em geral como um poderoso meio de levar os judeus à fé. Dos versos 17 a 24, cita-se a salvação dos gentios e os incréludos entre os judeus, mas como argumento para uma exortação contra a vanglória dos crentes gentios contra os judeus, e como argumento do que virá depois. Diria que, de todo o livro, este é o capítulo que dá mais enfase à salvação dos judeus, diferente dos capitulos precedentes, onde se reforça muito mais a salvação dos gentios e fecha-se depois o assunto com um louvor a Deus pela salvação tanto de uns como de outros. Mas do verso 11 ao 29, a enfase está em mostrar como será a salvação dos judeus, cumprindo-se a profecia que fala da emulação.

    Pretendo continuar o comentário, mas não sei se terei muito tempo agora, e essa argumentação requer algum trabalho.

    Que Deus esteja com você.

    PS: Gostei bastante do texto de Calvino.

    Continua...

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  16. Mac
    Graça e Paz

    Você liga “esse mistério” de Romanos 11 com “o mistério” de Efésios 3. Vejamos se isso é possível. Em Efésios está escrito:
    “...Como me foi este mistério manifestado pela revelação, como antes um pouco vos escrevi; por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do MISTÉRIO de Cristo, o qual NOUTROS SÉCULOS NÃO FOI MANIVESTADO aos filhos dos homens, como AGORA tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que OS GENTIOS SÃO CO-HERDEIROS, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo PELO EVANGELHO...”
    O que está mais evidente no texto é que já não há mistério nenhum. Gentios sendo salvos pelo evangelho era fato atual, visível a todos. O RESULTADO DISSO ERA A PROPRIA IGREJA DE ÉFESO, BEM COMO TODAS AS OUTRAS. Foi nisso que eles creram desde o início. Um grupo de JUDEUS veio até aquela cidade dizendo que um JUDEU, Jesus, o Cristo, era a Palavra encarnada de Deus, seu Filho Unigenito, e que com a sua morte havia pago pelos pecados dos homens, tanto dos judeus como dos nãos judeus. A evidência disso eram centenas de testemunhas na Judéia que haviam testemunhado a ressurreição desse mesmo Jesus. Toda e qualquer pessoa poderia ir pessoalmente a Jerusalém, que não era uma vilinha desconhecida, e falar pessoamente com os milhares de discipulos que estavam alí. Esse segredo havia acabado, a pregação do evangelho tinha se encarregado disso. O conhecimento desse “mistério” (que já não é mistério nehum) leva à fé e entrada para a Igreja. Em Efésios, Paulo considera esse mistério como coisa passada, e cita o fato apenas para por em evidência as premissas de sua argumentação. Se alguém não sabia que Cristo salva judeus e gentios, ou não creria que os judeus que pregaram inicialmente o evangelho eram salvos, ou não creria na própria salvação.

    Será que, décadas depois dessa cortina ser levantada, Paulo continuava achando que isso seria um mistério? Em Romanos 11, nesse caso específico, a citação de certo mistério não é apenas retórica, Paulo REALMENTE está preocupado em esclarescer os seus leitores, ele não está apenas explicitando uma premissa com finalidade retórica. Ele não quer que eles ignorem o mistério de que está falando, logo isso é um risco real. É muito diferente de quando Paulo diz, por exemplo, que ele mesmo é judeu, isso era fato público e notório, e ele afirma apenas para tornar claras as premissas, não deixa-las ocultas, para que as mentes dos leitores o possam acompanhar. Já o mistério de que fala aqui não é tão evidente. Ele trata seus leitores como pessoas esclarecidas, logo deve ser algo que tenha escapado à compreensão mesmo de uma pessoa esclarecida.

    Você diz que a salvação de “todos” (ou a maioria) os judeus de uma certa geração não seria mistério algum, pois essa teria sido sempre a visão dos judeus. Certamente isso não seria a visão dos crentes gentios, que viam judeus, na sua época, se opondo ao evangelho. Não era certamente a visão dos fariseus também, que consideravam que “a multidão, que não sabe a Lei, é maldita”. E certamente não era a visão fornecida pela Tanach (AT) que todos liam, onde se mostrava que, geração após geração, grande parte dos judeus havia sido rebelde. A salvação futura de um grande contigente de judeus seria sim um mistério.

    Depois continuo

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  17. Mac

    Graça e paz

    Outro ponto importante é a “plenitude dos gentios”. Veja que Israel pode significar, em certos textos, o conjunto dos salvos (embora eu não acredite nesse significado no verso 26), mas “os gentios” não pode ter esse significado. Em muitos textos significa “aqueles gentios que são crentes”, mas não lembro de nenhum caso em que signifique “todos os crentes”. Isso torna a interpretação de “plenitude” como o “número completo dos salvos”, algo problemático. Se fosse dito “a plenitude de Israel”, esse significado seria possível. A plenitude dos gentios poderia significar “o número completo dos gentios salvos”, mas isso seria estranho, pois há judeus salvos.

    Então o que significa a plenitude dos gentios? Segundo eu já argumentei (e sei que você discorda) “todo o Israel será salvo” significa um grande despertamento espiritual futuro da nação israelita. E porque a plenitude dos gentios estaria ligada à salvação entre os judeus?

    O argumento de Paulo em Romanos diz justamente que os judeus são estimulados aos ciúmes quando vêem uma obra maravilhosa de Deus entre os outros povos. As profecias dizem isso, e Paulo nada mais faz que explicitá-las.

    Penso que plenitude pode ter dois significados, que se complementam:


    1. Que a Igreja estará em todas as nações. Note que não falo de igreja significando “o conjunto dos salvos”. Grande número de pessoas podem alcançar a salvação sem ter consciência disso. É uma questão discutida pelos teólogos, e o caso mais evidente seria o das crianças pequenas. Em determinada nação não alcançada pelo evangelho poderão haver muitas pessoas salvas, mas elas não são visíveis ao observador como igreja. Penso que a “plenitude dos gentios” pressupõe haver igreja identificável em todas as nações, pessoas que não só escapam do inferno, mas crescem em sabedoria e graça, buscando a estatura do varão perfeito. Menos que isso seria dificilmente descrito como “plenitude”.

    Continua...

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  18. ...continua

    2. A Igreja, além de ser identificável em todas as nações, será visivelmente um reflexo da justiça e graça de Deus. Sem isso, não pode haver a “emulação” de que fala a profecia, e que Paulo põe em evidência. Poderá ser que algum judeu, olhando a vida de um cristão em particular, sinta que há algo de bom na fé em Cristo. Mas a visão mais ampla da cristandade será motivo de escândalo e aversão, não de ciúmes. Vamos ser sinceros, um judeu inteligente, ao ver o panorama geral da igreja no Brasil, por exemplo, não teria motivos para ter inveja! Invejaria os católicos se prostrando diante de ídolos de barro? Invejaria os seguidores dos “apóstolos” evangélicos se prostrando diante de ídolos de carne? Invejaria os seguidores do evangelho da prosperidade, se prostrando diante de Mamom? Invejaria os cristãos-esquerdistas se prostrando diante de Lênin, Stalin, Mao, Chavez, Fidel, Pol Pot e Che “porco fedorento” Guevara? Invejaria os pentecostais se prostrando diante de “profetas” e “profetisas” que destroem a vida das pessoas? Invejaria os crentes nominais se prostrando diante de uma vidinha confortável e medíocre? Invejaria pastores tradicionais carreiristas, ganhando seu salarinho na igreja, por não serem capazes para nenhum outro serviço? Invejaria os “emergentes” praticando o budismo sem nem saber? Sejamos sinceros, não há muito o que invejar (pelo menos quanto ao que é mais VISÍVEL) e, durante a maior parte da história, não tem havido.

    Devo esclarecer que não estou acusando a igreja de ser assim, estou dizendo que a face visível da igreja é assim, porque os verdadeiros crentes estão, em grande parte, submetidos a falsos pastores, falsos ministérios e falsas teologias. Os verdadeiros pastores estão misturados com os falsos (e será assim até bem próximo do fim). Nos países onde há perseguição, a igreja é muito mais pura, mas por causa da perseguição, é muito menos visível.


    A plenitude dos gentios não é a salvação de todos os crentes, vem antes disso. Não é nem mesmo a salvação de todos os gentios. É, na minha opinião, a visão da igreja entre os gentios como invejável.

    Como vários textos que você colocou já disseram, não é “então” todo Israel será salvo, é “assim” todo Israel será salvo. Quando houver uma geração de gentios crentes visivelmente digna de ser invejada, os judeus terão inveja da ação de Deus entre eles. E assim, dessa forma, os próprios judeus se voltarão para o Deus de seus pais, perceberão quem é o Messias enviado por Deus e, desta forma, todo Israel será salvo.

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  19. Graça e paz Renato :)

    Por tudo o que já foi dito aqui, diferente de você que vê Rm 11 "batendo seguidamente na tecla da salvação dos judeus", além disso, como já demonstrei até agora, vejo já no v. 26 um fechamento da questão com a salvação de todos os que crêem, independente da etnia. Aqui eu não disse nada que já não tenha feito antes.

    Não vou mais me estender aqui, analisando ponto à ponto. Você deu várias evidências competentes que apoiam uma leitura pré-milenista de Rm 11, e eu dei as minhas.
    Há, não sei se já falei, mas mesmo entre amilenistas há denfensores de ambas as posições, então, o amilenismo em si não se posiciona contra ou a favor de determinada leitura de Rm 11. Eu o faço por convicção mesmo, embora toda essa questão não esteja fechada totalmente para mim.

    Por fim, penso que isso não acontecerá, a saber, "uma geração de gentios crentes visivelmente digna de ser invejada".

    Abraço.

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  20. Olá amigo

    Concordamos então em discordar. Mas você debateu bem e quase me convenceu quanto ao verso 26. Tive de analisar a questão em profundidade.

    Se me permite, há uma outra conclusão a tirar do capítulo 11. Considerando que os dons e a vocação de Deus em relação a esse povo, e sua eleição, fazem efeitos até hoje, é razoável supor que a peculiaridade desse povo nos planos de Deus não findou. Talvez por isso meso, Paulo os tratasse de forma peculiar, pregando primeiramente a eles.

    Se meu arrazoado estiver certo, não é justificável considerar que toda a qualquer profecia ainda não cumprida nunca será a respeito de Israel. Cada profecia deve ser ananlisada, para se encontrar nela elementos que indiquem como aplica-la.

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  21. É verdade.

    Infelizmente não temos o futuro a nosso favor, para tirar a prova real, de modo que este pertence ao Senhor.

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