sexta-feira, 1 de abril de 2011

Correntes dentro do Amilenismo.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Vern Sheridan Poythress, professor de Novo Testamento no Seminário Teológico de Westminster.

Correntes dentro do Amilenismo. [01]


Há mais a ser dito com respeito ao debate sobre o milênio? Diferentes pontos de vista têm debatido por séculos, assim, podemos investigar os vários argumentos em uma série de livros e artigos.
[02] Poderíamos esperar que todas as possibilidades de exploração teriam sido esgotadas até o momento. Mas ao invés disso, o pensamento amilenista em particular tem experimentado alguns desenvolvimentos significativos durante o século XX.
Em grande medida, estes desenvolvimentos provém direta ou indiretamente da influência da teologia bíblica. A teologia bíblica tem sensibilizado-nos ao caráter da escatologia inaugurada no Novo Testamento. Em contraste com o atual século XX, o pensamento amilenista dos séculos anteriores freqüentemente permitiu que o fogo do desejo escatológico enfraquecesse. Ocasionalmente os amilenistas falavam somente da profecia cumprida na igreja, dando pouca atenção ao cumprimento dessas profecias na nova terra. Em muitos círculos as pessoas esperavam principalmente a morte e o estado intermediário, ao invés de a segunda vinda, a ressurreição do corpo, e os novos céus e nova terra, que são o foco principal da esperança neotestamentária.

Hoje, amilenistas devem tentar ser cada vez mais fiéis à ênfase bíblica, e não falo apenas de um primeiro estágio de cumprimento na vida de Cristo, a era do Novo Testamento e da igreja, mas também de um segundo, o estágio consumado dos novos céus e nova terra. O livro de Anthony A. Hoekema A Bíblia e o Futuro estabeleceu o ritmo nesta área.
[03]
A nova valorização da escatologia inaugurada começou gerando uma atmosfera onde encontramos alguns claros argumentos exegéticos em favor do amilenismo. Geerhardus Vos em A Escatologia Paulina oferece uma exegese de 1ª Coríntios 15 à luz da escatologia inaugurada.
[04] Um artigo de minha autoria argumenta que 2ª Tessalonicenses 1 tem implicações amilenistas quando lido dentro da atmosfera escatológica do primeiro século, em que a escatologia inaugurada era o pensamento normal. [05] Meredith G. Kline em A Primeira ressurreição interpreta Apocalipse 20 à luz do vasto tema contextual das primeiras e últimas coisas. [06] A primeira ressurreição é preparatória em caráter, em contraste com a segunda e última. Ela conota a vida com Cristo como uma recompensa simultânea com a morte do corpo, e responde a preocupação em Apocalipse de fortalecer os mártires dando-lhes uma promessa de imediato, assim como final, a vitória. G. K. Beale, em seu comentário sobre o Apocalipse, desenvolve o argumento de Kline no contexto de um comentário técnico em grande escala. [07] Ele também mostra que a cronologia do Apocalipse se baseia no fato de que o cumprimento - em larga escala - da profecias de salvação veterotestamentárias começam na vida, morte e ressurreição de Cristo. O Apocalipse, portanto, fala do que "em breve há de acontecer" (Ap 1:1) em contraste com o futuro distante de Daniel, "que acontecerá nos últimos dias" (Dn 2:28) [08]
Por causa de trabalhos como esses que apresentam claros argumentos em favor do amilenismo, pode-se supor que os amilenistas estão afastando de seus irmãos e irmãs o interesse por outras posições. Mas, de fato, certas características da escatologia inaugurada abriram as portas em direção a uma maior simpatia em relação aos amilenistas. Deixe-me ilustrar. O livro de Hoekema sustenta que o cumprimento da consumação aguarda os novos céus e nova terra. Ele coloca ênfase na nova terra. E eu gostaria de salientar bem isso, porque a influência do Platonismo e o foco de algumas pessoas na esperança do estado intermediário têm incentivando a pensar sobre o futuro de uma maneira parcial. Quando entregamos nossas mentes à nossa própria esperança para o futuro, só podemos imaginar um tipo de existência etérea, de almas vaporosas tocando harpas nas nuvens.

Esta enrugada e evaporada esperança esquece a materialidade da nova terra. O corpo ressurreto de Jesus pode ser tocado e manuseado, e também, por implicação, a ressurreição dos nossos corpos e a renovação do mundo também incluirá uma materialidade fundamental (como segerido em Isaías 65:17-25 e Romanos 8:18-25). O problema com o velho mundo não é a materialidade, mas o pecado. A solução é a redenção e transfiguração, não a vaporização.

A esperança em uma nova terra, portanto, nos dá uma imagem que é surpreendentemente similar ao pré-milenismo. Creio que Jesus retornará corporalmente ao mundo, que todas as pessoas serão julgadas, e que a própria terra será renovada. Jesus reinará sobre as nações e dará início a uma era de grande paz e prosperidade. Judeus fiéis possuirão a terra da Palestina, bem como a totalidade da terra renovada. Quando eu ouço pré-milenistas descrevendo o que acontece no reino milenar, eu respondo: "Eu creio nisso também." Se eu puder brincar com as palavras, eu diria que sou um pré-milenista otimista. Eu acredito nas coisas que os pré-milenistas normalmente dizem sobre o milênio. Mas sou otimista porque acredito que o milênio é ainda melhor do que eles imaginam. É tão extraordinariamente bom que nem o mal e nem a morte permanecem. E isso durará para sempre. Portanto, este é o estado eterno e não "o milênio", como nós temos tradicionalmente definido.

Eu posso fazer o mesmo argumento definindo-me como um “amilenista terreno”. “Terreno” no sentido de enfatizar a esperança em uma nova terra que é uma renovação desta. Obviamente, não é meramente um retorno ao Éden, mas um avanço, uma transfiguração da velha ordem das coisas de acordo com o padrão da ressurreição de Cristo, que transfigurou o corpo de sua vida terrena.
[09] Mas esta transfiguração ainda inclui aspectos profundos de continuidade com a presente ordem, ao invés de ser um início totalmente novo. Meu desafio aos pré-milenistas é que reconheçam que os novos céus e a nova terra é o grande clímax do cumprimento. Portanto, muitas de suas objeções contra o amilenismo perdem a força quando eles têm de contar com esta nova – terra – forma de pensar.
A compreensiva discussão entre dispensacionalistas e não-dispensacionalistas pode ter também aberto espaço para a exploração com relação ao futuro do povo Judeu. Como eu indico na edição revisada de meu Entendendo os Dispensacionalistas,
[10] penso que amilenistas terrenos não deveriam encontrar problema em afirmar que todos os fiéis Judeus se unirão com Abraão na aliança da terra prometida e desfrutarão plenamente as bênçãos de Deus no novo mundo. O amilenismo não deve ser entendido como deserdando judeus, mas sim afirmando a incorporação dos gentios na família da promessa através da sua união com Cristo. Consequentemente, gentios também compartilharão com judeus como co-herdeiros em Cristo (Ef 3:6; Rm 8:17). A questão não é se os judeus possuirão a riqueza dos privilégios das promessas do Antigo Testamento – eles irão –, mas se um novo muro de separação será erguido, garantindo-lhes um estatuto sacerdotal ou religioso único a partir do qual serão excluídos os gentios (Ef 2:14).
Refletir sobre a importância do papel de Cristo como último Adão pode nos ajudar aqui. Geerhardus Vos pode ter sido o primeiro a apontar que a liderança de Cristo sobre a humanidade redimida, como exposto em Romanos 5 e 1ª Coríntios 15, tem grande importância na teologia Paulina.
[11] Apoiado em Vos, Richard B. Gaffin Jr. enfatizou que a ressurreição de Cristo transformou sua natureza humana e inaugurou a nova ordem de existência como homem celeste. [12] Dan G. McCartney mostrou a repetida ênfase no Novo Testamento de Cristo como o homem que governa sobre o mundo, cumprindo o domínio da criação destinada à Adão. [13] De acordo com Efésios 1:20,21, se Cristo agora governa como homem sobre o mundo, ele também governa como um judeu e como um filho de Davi, porque todos os outros governos humanos na terra são derivados de um primeiro governo, o Adâmico. Todas as promessas são “sim” em Cristo (2ª Coríntios 1:20), assim toda a alegria de todas as bênçãos pode vir somente em união com Cristo, tanto para judeus como para gentios, tanto agora como no futuro.
Também posso falar positivamente dos pós-milenistas. Se os pós-milenistas pensam que a grande esperança diz respeito a um período milenar antes da segunda vinda, eu discordo. A grande esperança é para a segunda vinda, a ressurreição do corpo e os novos céus e nova terra. Mas se eles também, influenciados pela escatologia inaugurada, mudam o foco da esperança para o cumprimento consumado na nova terra, então as diferenças remanescentes começam a diminuir. O pós-milenismo, parece-me, encontra a sua maior força quando salienta um otimismo baseado na Grande Comissão. A promessa de que Jesus estaria conosco até a consumação dos séculos significa que a Grande Comissão não é uma comissão inútil para proclamar o evangelho à pessoas que irão rejeitá-la. A comissão é fazer discípulos, o que implica que alguns respondem em fé. Porque "aquele que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo" (1ª João 4:4), podemos ser absolutamente otimistas sobre a propagação do evangelho e o crescimento da igreja.

Porém, eu encontro uma última dificuldade com o pós-milenismo. Os pós-milenistas em sua maioria parecem não apenas ter um evangelho otimista, mas também alegam que a segunda vinda de Cristo não pode acontecer ainda, porque nós ainda não presenciamos um amplo e profundo triunfo do cristianismo no mundo. Mas eu não encontro qualquer forma de avaliar que algum tipo de vitória deve acontecer antes da segunda vinda. Portanto, eu me denomino como um "pós-milenista não-quantitativo." "Pós-milenista" porque indica minha apreciação do otimismo com relação ao evangelho. "Não-quantitativo" porque não encontro razões para o adiamento da segunda vinda. De fato, o calcanhar de Aquiles do pós-milenismo reside exatamente aqui. A igreja do primeiro século tinha uma ardente expectativa para a segunda vinda, uma expectativa encorajada pelos Apóstolos. O pós-milenismo, quando se torna quantitativo, na prática faz com que seja quase impossível de sustentar tal fervor, porque ele muda seu enfoque prático para a perspectiva de prosperidade milenar, ao invés de a segunda vinda.

Assim, diferenças ainda permanecem entre as posições sobre o milênio, e debates não só irão, como devem continuar. Mas podemos ser gratos em poder encontrar genuínas formas de perceber as afirmações bíblicas que até agora têm sido associadas normalmente com uma posição diferente da nossa. A teologia bíblica e a escatologia inaugurada prometem continuar produzindo percepções frutíferas não apenas entre amilenistas, mas também entre aqueles que defendem outras posições.


Traduzido por Mac.


Veja também este artigo original em inglês: http://www.frame-poythress.org/poythress_articles/2000Currents.htm

[01]
Uma versão anterior deste artigo foi apresentada sob o título "O Reino de Deus e o Milênio: Amilenismo," para o júri de "O Reino de Deus e o Milênio", no encontro anual da Evangelical Theological Society (Danvers, MA, Novembro de 1999).
[02]
Uma série de bons livros avalia as opções: Loraine Boettner, O Milênio (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1957); Roberte G. Clouse, O Significado do Milênio: Quatro Pontos de Vista (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1977); Millard J. Erickson, Opções Contemporâneas de Escatologia: Um Estudo do Milênio (Grand Rapids: Baker, 1977); Stanley Grenz, The Millennial Maze: Sorting Out Evangelical Options (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1992).
[03]
Anthony Hoekema, A Bíblia e o Futuro (Grand Rapids: Eerdmans, 1979).
[04]
Geerhardus Vos, A Escatologia Paulina (Grand Rapids: Eerdmans, 1953) 226-260.
[05]
Vern S. Poythress, "2ª Tessalonicenses 1 Sustenta o Amilenismo," Journal of the Evangelical Theological Society 37/4 (1994) 529-538.
[06]
Meredith G. Kline, "A Primeira Ressurreição", Westminster Theological Journal 37/2 (1974-75) 366-375; ver também J. Ramsey Michaels, "A Primeira Ressurreição: Uma Resposta", Westminster Theological Journal 39/1 (1976-77), 100-109; G. Meredith Kline, "A Primeira Ressurreição: Uma Reafirmação", Westminster Theological Journal 39/1 (1976-77) 110-119; Beale K. Gregory, João e o Uso do Antigo Testamento no Apocalipse (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998) 356-393.
[07]
Gregory K. Beale, O Livro do Apocalipse: Um Comentário Sobre o Texto Grego (Grand Rapids: Eerdmans; Carlisle: Paternoster, 1999) 972-1031.
[08]
Ibid., 181-183; 152-177; Beale, João e o Uso do Antigo Testamento no Apocalipse, 129-294.
[09]
Ver Michael D. Williams, "A Confissão de uma Escatologia Reacionária," Presbyterion 25/1 (1999): 13-20.
[10]
Vern S. Poythress, Entendendo os Dispensacionalistas, 2ª ed. (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1994), 132-137.
[11]
Vos, A Escatologia Paulina.
[12]
Richard B. Gaffin Jr., Ressurreição e Redenção: Um Estudo na Soteriologia de Paulo (2ª ed.; Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1987). Observe também a ênfase Cristocêntrica em Willians, "Confissão," 18-19.
[13]
Dan G. McCartney, "Ecce Homo: A Vinda do Reino como a Restauração da Vice-gerência Humana," Westminster Theological Journal 56/1 (1994): 1-21.

2 comentários:

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