quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O FUTURO DE ISRAEL NA TEOLOGIA DE PAULO: Uma Interpretação Não-milenar de Romanos 11 / Parte 1.

Importante: O texto a seguir é de autoria de Lee Irons, PhD em Novo Testamento pelo Seminário Teológico Fuller. Também foi pastor da Capela Presbiteriana Ortodoxa Redentor em Van Nuys, Califórnia.

Uma interpretação de Romanos 11 é, certamente, um assunto altamente controverso. Duas das principais posições milenares — pré-milenismo e pós-milenismo — vão a esse texto, entre outros, para encontrar a justificação bíblica para as suas respectivas escatologias. Embora elas difiram com respeito ao tempo e caráter dessa fase gloriosa, externa e terrena do reino de Cristo, tanto a forma pré-milenista de quiliasmo como a pós-milenista concordam que Romanos 11 sustenta a esperança de uma conversão em massa de judeus e gentios durante uma longa era de justiça e paz sobre a terra. Amilenistas, contudo, não esperam tal esperança, nem a encontram em Romanos 11. Eles — e eu devo me incluir entre eles — tomam a visão de que esse texto não promete tal colheita escatológica massiva de judeus e gentios. O. Palmer Robertson, em seu importante ensaio “Is There a Distinctive Future for Ethnic Israel in Romans 11?”, diz: “O olho do homem não pode dizer se esse número é pequeno ou grande. Mas o olho da fé é confiante de que o ‘número completo’ está sendo realizado. Por essa razão, não é necessário nem apropriado apresentar alguma data futura na qual o princípio ‘remanescente’ será substituído por um princípio de ‘plenitude’ novamente introduzido”. [01]

Isso é o que estou chamando de interpretação não-milenar de Romanos 11. Eu a chamo de não-milenar ao invés de amilenar (embora certamente ela o seja!) para acentuar o fato de que essa interpretação não vê nem o pré-milenismo nem o pós-milenismo nessa passagem. Paulo não trata a questão milenar. A questão não está nem mesmo remotamente no pano de fundo do seu pensamento (embora a passagem possa conter ensino que logicamente implicaria uma resposta à questão). Assim, eu tenho chamado meu ensaio de uma interpretação não-milenar de Romanos 11.

Mas isso não é dizer que meu ensaio será exclusivamente um ataque negativo dessas visões que eu considero anti-bíblicas. Pelo contrário, eu tenho uma tese positiva a oferecer, bem como eu creio que haja argumentos convincentes para apoiá-la. Minha tese é que a referência no v. 26 a “todo Israel” deve ser interpretada como uma redefinição paulina do conceito “Israel” à luz do grande mistério que tinha sido revelado na pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. De acordo com essa visão, as declarações de Paulo nessa passagem com respeito a Israel não são proféticas no sentido comum do termo. Romanos 11 não é uma história pré-escrita de eventos do final dos tempos. Admitidamente, Paulo levanta a questão do futuro de Israel, como alguém pode prontamente ver no v. 1: “Terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo?”. Contudo, a pergunta não é respondida por uma predição futurista do que ainda está para ocorrer, mas por uma re-interpretação redentivo-histórica do que o próprio Israel é no presente. Surpreendente como possa parecer a princípio, eu creio que uma exegese cuidadosa das palavras gregas e da sintaxe dos vv. 25-26 leva objetivamente à conclusão de que Paulo literalmente redefiniu o termo “Israel” para se referir à igreja do Novo Testamento, argumentando que as promessas irrevogáveis de Deus para Israel são cumpridas por meio da salvação, tanto de judeus como de gentios, na era da igreja.

Se a restrição de tempo inerente nesse fórum fosse eliminada, seria possível examinar o texto inteiro de Romanos 11 cuidadosamente, verso a verso. Contudo, eu devo me limitar ao o que considero a questão chave para desvendar a interpretação correta de Romanos 11 — a saber, a questão do que é significado por “e assim todo o Israel será salvo”. Umas poucas questões não respondidas com respeito a outras porções de Romanos 11 permanecerão [sem resposta] (por exemplo, a interpretação do vv. 12 e 15) — questões que tenho tentado responder extensamente num ensaio volumoso. Contudo, eu incluí um apêndice no final desse ensaio para abordar essas omissões tão breve quanto possível.

Três opções principais para o significado de “todo Israel” no v. 26 têm sido propostas na história da interpretação.

A primeira é aquela advogada nesse ensaio — que “todo Israel” refere-se a todo o povo de Deus, judeus e gentios da mesma forma. João Calvino, em seus comentários sobre Romanos 11:26, habilmente sumariza a visão mantida aqui:
E assim todo o Israel será salvo. Muitos entendem isso como que referindo especificamente ao povo judeu, como se Paulo houvera dito que a religião lhes seria novamente restaurada como nos tempos de outrora. Todavia, estendo a palavra Israel para incluir e abranger todo o povo de Deus, da seguinte maneira: “Quando os gentios tiverem entrado, os judeus, ao mesmo tempo, se converterão de sua apostasia à obediência da fé. A salvação de todo o Israel de Deus, o qual deve ser compreendido de ambos [judeus e gentios], será então completada; mas isto se dará de tal maneira que os judeus, o primogênito na família de Deus, ocupem o lugar de preeminência”. Continuo pensando que esta interpretação é a mais ajustável, visto que Paulo queria, aqui, apontar para a consumação do reino de Cristo, o qual de forma alguma se limita aos judeus, senão que inclui [pessoas de] o mundo inteiro. É assim que, em Gálatas 6:16, ele denomina a Igreja, que se compunha tanto de judeus como de gentios, o Israel de Deus, confrontando o povo reunido de sua dispersão com os filhos carnais de Abraão, os quais haviam apostatado da fé. [02]
Esse ensaio buscará apresentar evidência exegética e teológica adicional para fornecer maior corroboração aos instintos de Calvino.

A segunda opção é aquela tomada pela maioria dos comentaristas e intérpretes e é encontrada em todos os três campos milenistas. James D. G. Dunn é um bom representante dessa visão. Ele declara que “há agora um forte consenso de que pas Israel [‘todo Israel’] deve significar Israel como um todo, como um povo cuja identidade e totalidade corporativa não se perderia, mesmo que no evento houvesse algumas (ou de fato muitas) exceções individuais”. [03] Essa interpretação é obviamente análoga tanto ao pré- como ao pós-milenismo, mas ela é também aceita por aquele ramo do amilenismo (tipificado por John Murray) que antecipa um reavivamento em massa da maioria dos israelitas vivos um pouco antes do retorno de Cristo.

A terceira opção é aquela tomada por outro ramo de amilenistas (como tipificados por Herman Ridderbos, O. Palmer Robertson, Anthony Hoekema e Robert Strimple do WTS/CA). Essa posição concorda que “todo Israel” tem referência a “todos os eleitos dentro da comunidade de Israel” (Robertson, p. 226). Assim, a declaração que “todo Israel será salvo” significa que por toda a era da história, todos os eleitos judeus virão a Cristo e serão salvos.

Embora eu aborde a segunda e a terceira posição, meu ensaio é estruturado primariamente como uma resposta à terceira opção. Muitos dos meus argumentos serão focados em Robertson em particular, visto que ele tem escrito a defesa mais detalhada daquela posição.

Apenas um lembrete. Se você entendeu o que tenho dito até aqui, tornar-se-á claro que há realmente três ramos de amilenistas:

1. Aqueles que, como Calvino e eu, vêem “todo Israel” como uma referência á igreja.
2. Aqueles amilenistas que, como John Murray, interpretam Romanos 11 como um pós-milenista consideraria a conversão futura dos judeus em massa, mas sem expor a hermenêutica pós-milenista como um todo.
3. E aqueles que, como Robertson, vêem “todo Israel” como tendo uma denotação etnicamente restritiva (i.e., a todos os eleitos dentro da comunidade de Israel) e que antevê a salvação deles como um processo contínuo durante todo o período entre os dois adventos de Cristo.

Eu mencionei isso simplesmente para evitar confusão.

Agora, não entenda incorretamente meu ataque do terceiro campo como um ataque de todo aspecto dessa posição. De fato, meu ensaio é altamente dependente da resposta de Robertson à interpretação pré-milenista dessa passagem. Robertson, de forma convincente, e eu penso que corretamente, argumenta que durante todo o período entre os dois adventos, tanto judeus como gentios entrarão no reino de Deus colocando sua fé em Jesus Cristo. No final, as duas pleromata (plenitude), aquela dos gentios e aquela dos judeus, será completada por meio da adição gradual dos judeus e gentios à oliveira do pacto da graça. Uma conversão massiva da última geração dos judeus vivos logo antes do retorno de Cristo não deve ser esperada. Antes, a passagem inteira se foca nos tratamentos atuais de Deus com o Israel étnico.

Antes de desenvolver a exegese da minha tese distintiva, seria bom examinar brevemente o argumento de Roberton para uma preocupação exclusivamente presente nesse capítulo. Embora rejeitando sua interpretação de “todo Israel”, creio que Robertson fornece evidência convincente que sugeriria que Romanos 11 é distorcido num nível fundamental se ela for lida como uma profecia preditiva com respeito aos eventos do final dos tempos. Ele fornece quatro argumentos indicando que o escopo das preocupações de Paulo é presente, antes do que futuro:

(1) O primeiro indício é encontrado no versículo 1: “Digo, pois: porventura, rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum! Porque também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim”. Note bem como Paulo responde sua própria pergunta: “Porventura, rejeitou Deus o seu povo?”. Ele não responde: “De modo nenhum! Pois não sabeis que no milênio Deus restaurará Israel à sua glória anterior?”. Mas isso não é o que o texto diz. Robertson comenta: “Ao responder à pergunta ‘Porventura, rejeitou Deus o seu povo?’, Paulo se identifica como uma prova atual de que os propósitos de Deus para Israel estão sendo realizados na presente era...” (p. 210). Paulo é um israelita, e Paulo era salvo. Portanto, ele arrazoa, não pode ser o caso de que Deus tenha rejeitado inteiramente a Israel.

(2) A segunda porção de evidência de que Romanos 11 se foca nas intenções presentes de Deus para Israel é encontrada no versículo 5: “Assim, pois, também no tempo presente ficou um remanescente segundo a eleição da graça”. Note particularmente a frase “no tempo presente” (en to nun kairo). “Essas duas referências [vv. 1 e 5] orientam esse primeiro parágrafo de Romanos 11 (vv 1-10) quanto à questão do tratamento de Deus para com Israel na presente hora” (p. 211).

(3) Mas essa preocupação com a salvação presente de Israel continua na próxima seção, que fornece o terceiro indício. Nos versículos 13 e 14 lemos: “Mas é a vós, gentios, que falo; e, porquanto sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério, para ver se de algum modo posso incitar ã emulação os da minha raça e salvar alguns deles”. Não é claro que a fervente aspiração de Paulo é que, por seu presente ministério entre os gentios, ele possa ver a salvação dos seus parentes segundo a carne? “Por seu ministério atual, ele espera ver os judeus enciumados quando virem os crentes gentios compartilhando das bênçãos do reino messiânico” (Roberston, p. 211).

(4) Quarto, o parágrafo conclusivo (versículos 30-32) reitera o fato de que todo o capítulo está orientado não para uma esperança futura, mas para uma expectação presente. “Pois, assim como vós outrora fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia pela desobediência deles, assim também estes agora foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós agora demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos”. “O triplo ‘agora’... desses versículos conclusivos indicam que a ênfase de Paulo sobre a receptividade presente de Israel continua sendo sua preocupação central” (Robertson, p. 212).

Assim, temos quatro porções de evidência, distribuídas por todo o capítulo, desde sua declaração inicial no versículo 1 até sua conclusão final no versículo 32, as quais, tomadas juntas, têm o efeito cumulativo de demonstrar que Romanos 11 não está preocupado com uma profecia preditiva com respeito ao futuro de Israel como tal, mas com algo inteiramente diferente. A recepção ou aceitação de Israel mencionada no versículo 15, ou seu enxertamento (como é chamado nos versículos 17-24), não é uma esperança escatológica, mas uma conseqüência iminentemente antecipada dos esforços evangelísticos de Paulo entre os gentios.

Agora, certamente, é possível que Paulo tivesse ambas as coisas em mente: qual é o presente status de Israel? E qual é sua esperança futura? Não importa o que Paulo pudesse ter em mente, uma leitura à primeira vista de vv. 25-26 poderia levar alguém a pensar que aqui, no mínimo Paulo faz um pronunciamento profético com respeito ao futuro de Israel. Pré-milenistas desejariam dizer que, de fato, esses versículos nos fornecem uma predição apostólica clara e literal da restauração futura de Israel. “O que mais você poderia perguntar?”, eles perguntam.

É sobre esses versículos, então, que focaremos nossa atenção no restante desse ensaio.

Continua...

[01] O. Palmer Robertson, “Is There a Distinctive Future for Ethnic Israel in Romans 11?”, capítulo 16 em Perspectives on Evangelical Theology, ed. Kenneth S. Kantzer and Stanley N. Gundry (Grand Rapids: Baker Book House, 1979), p. 216. Robertson depende altamente de Herman N. Ridderbos. Ridderbos, “Israel in het Nieuwe Testament, in het bijzonder volgens Rom. 9-11”, em Israel (Den Haag: Van Keulen, 1955), pp. 57-64, traduzido por R. B. Gaffin, Jr.
[02] John Calvin, Commentaries on the Epistle of Paul the Apostle to the Romans, traduzido e editado por John Owen (Grand Rapids: Baker Book House, reprinted 1993), p. 437.
[03] James D. G. Dunn, Romans 9-16, Word Biblical Commentary, vol. 38B (Dallas: Word Books, 1988), p. 681.

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